A história, a tradição e o exemplo que se deseja esquecidos .
>> quarta-feira, 24 de julho de 2013
Por Márcio Jones
Referenciais
são de extrema relevância. São elementos componentes de nossa visão de
mundo, das lentes por meio das quais enxergamos as coisas e nos
posicionamos a respeito daquilo que nos é apresentado. Portanto, nossos
conceitos e ações advêm desses vetores. Nesse quesito, há contextos em
que o subjetivismo é a linha reinante, o filtro. A experiência
proveniente de vivências anteriores torna-se o supremo tribunal de
recursos. São invocadas como dignas de absoluto crédito e aceitação,
como se fossem dotadas de autoridade inquestionável, elevando-se à
categoria de valores objetivos. E nessa toada, a inovação é sempre
melhor e vem para suceder o que passou.
No que
toca ao cristianismo em seus moldes modernos, há peculiaridades que
merecem atenção. Particularmente, é interessante como a experiência
subjetiva adquiriu relevância desde algum tempo, sobretudo em desfavor
da história da igreja cristã e da contribuição deixada por tantos
quantos palmilharam esse estreito caminho antes dos cristãos da atual
geração. Há quem detenha uma maneira tal de pensar que diga: "O Espírito
foi dado a mim, logo entendo ser plenamente autossuficiente no
entendimento da Bíblia", como se o Espírito Santo fosse privilégio
exclusivo dos cristãos do século XXI ou mesmo o cristianismo tivesse
nascido em nossos dias. Vejo nisso um quê de arrogância e prepotência, e
até mesmo ignorância bíblica. Será que a Escritura nos orienta a, como
igreja cristã, viver uma história fragmentada, descontínua, geração após
geração, desconhecendo o legado dos mais antigos e sendo mestres de nós
mesmos? Será que, como diz o professor de História da Igreja Cristã
Juliano Heyse, ao citar o exemplo da garotinha que, quando incumbida de
falar acerca da história da igreja, começa sua fala citando a igreja
onde congrega, o prédio em que são realizadas as reuniões semanais, e
que teve início com o pastor "fulano" no ano tal. Não pretendo conferir à
tradição status normativo, como fazem os romanistas. Entretanto, chamo à
atenção para aspectos os quais muitos raramente costumamos examinar.
Podemos
aprender da história? Esse foi o tema da palestra proferida por Martyn
Lloyd-Jones, no encerramento da Conferência Puritana no ano de 1969.
Disse o Doutor: "Talvez não exista nada que tenha denegrido tanto a
glória de Deus como a história do Seu povo na Igreja. Por isso, vou
tratar deste assunto sobre aprender da história. O famoso dito de Hegel
faz-nos lembrar que 'O que aprendemos da história é que não aprendemos
nada da história'. Ora, no que se refere ao mundo secular, essa é uma
verdade indubitável. A história da raça humana mostra isso claramente. A
humanidade, em sua loucura e estupidez, sempre repete os mesmo erros.
Não aprende, e se nega a aprender. Mas não aceito isso como sendo
próprio do cristão. O meu ponto de vista é que o cristão deve aprender
da história, que, por ser cristão, seu dever é fazer isso, e deve
animar-se a fazê-lo". (...) o meu argumento é que, para nós, é sempre
essencial suplementar a nossa leitura teológica com a leitura da
história da igreja. (...) Senão, corremos o perigo de nos tornar
abstratos, teóricos e acadêmicos em nossa visão da verdade; e, deixando
de relacioná-la com os aspectos práticos da vida diária, logo estaremos
em dificuldade".
E qual
seria a mais franca objeção a que levássemos em conta a história, a
tradição e o exemplo? Penso que é a ideia segundo a qual o passado nada
tem a nos ensinar. Como quando deparei, num fórum virtual, com um
cristão internauta ávido em busca de métodos inovadores para aplicar nos
cultos de jovens. Uma das resposta que se lhe apresentou, a mais
esdrúxula por sinal, era de que ele deveria empregar ilimitadamente a
criatividade, sob o pretexto da "liberdade no Espírito" e de que ser
cristão é viver em "novidade de vida". Penso que se nos inteirássemos um
pouco mais da história da Igreja e dos passos dos antigos, não
buscaríamos meios para entreter a Igreja, mas lhe apresentaríamos o
evangelho, em toda sua antiguidade e atualidade (Rm 1.2). Igualmente, se
transitássemos pela história da igreja notaríamos que não há nada novo
debaixo do sol e que os modismos que surgem atualmente não são tão
inéditos assim, mas uma nova roupagem de práticas antigas, que, por
exemplo, eram corriqueiras antes da Reforma ou logo após esta, quando
então alguns homens resolveram voltar até o primeiro século, até o Novo
Testamento, voltar à Escritura.
O que
nos diz a Escritura? Quando escreveu a primeira epístola, Paulo
registrou: "Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo" (1 Co
11.1). Seria o mesmo que dizer, imitem-me no que me assemelho a Cristo,
ou, como disse Spurgeon: "Não tenham nada a ver comigo onde não tenho
nada a ver com Cristo". Seria, então, um absurdo aprender a partir da
conduta de outros cristãos piedosos naquilo em que eles se parecessem
com o Mestre? Obviamente, não! Vejamos que o exemplo não é absoluto e
irrestrito, contudo se limita ao proceder de Cristo. Notemos, ainda, que
o ensino de Paulo estava calcado na transmissão da tradição. A tradição
era um termo usado pelos rabinos que identificava seu conjunto de
ensinamentos os quais eram transmitidos a seus alunos. A fé cristã é
construída com base nas tradições ou ensinos de Cristo e de seus
apóstolos (1 Co 11.2; 15.1; Ef 2.20). Paulo transmitiu tradições
práticas e doutrinárias dignas de crédito, tanto oralmente como por meio
de epístolas (Rm 6.17; 1 Co 11.2,23; 15.3; 2 Tm 1.13), no entanto
apenas suas palavras escritas foram preservadas para nós nas Sagradas
Escrituras. Por conseguinte, ninguém pode reivindicar ser detentor da
tradição oral transmitida pelo apóstolo.
Assim,
não só é prudente, mas altamente recomendável que, como cristãos, não
vivamos como se fôssemos pioneiros, desbravadores. Existe um legado. Se
compreendo que o Espírito ilumina-me a mente, hoje, para que haja a
devida compreensão das Escrituras, bem como viva, em consequência, de
maneira sóbria, justa e piedosa, como posso entender — ou viver como se
assim entendesse —, de maneira diversa, que o mesmo Espírito não
iluminou e conduziu a outros que me precederam? E, desse modo, o
entendimento global a que chego deve-se alinhar à de crentes piedosos e
ortodoxos ao longo da história. Não se trata de outro momento ou outros
tempos. Referimo-nos a uma mensagem antiga, entregue aos santos de uma
vez por todas (Jd 3). Não há adendos, acréscimos. É até mesmo uma
atitude de humildade aprender de homens fiéis e zelosos pela verdade (1
Ts 1.6; 2 Tm 2.2).
Soli Deo Gloria.
Fonte: Despertar de um avivamento
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