O Pecado para a Morte e a Blasfêmia contra o Espírito Santo
>> segunda-feira, 26 de agosto de 2013
Não são
poucos os pregadores de linha pentecostal que ameaçam os críticos das
atuais "manifestações espirituais" de cometerem o pecado sem perdão, a
blasfêmia contra o Espírito Santo. Mas, será? O pecado para a morte é
mencionado por João em sua primeira carta:
"Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue (5.16c)".
A morte a
que João se refere é a morte espiritual eterna, a condenação final e
irrevogável determinada por Deus, tendo como castigo o sofrimento eterno
no inferno. Todos os demais pecados podem ser perdoados, mas o “pecado para morte” acarreta de forma inexorável a condenação eterna de quem o comete, a ponto do apóstolo dizer: "e por esse não digo que rogue". E o apóstolo continua:
"Toda injustiça é pecado, e há pecado não para a morte (5.17; cf. 3.4)".
João não
está sugerindo que a distinção entre pecado mortal e pecado não mortal
implique na existência de pecados que não sejam tão graves assim. Todo
pecado é contra o Deus justo, contra a sua justiça. Portanto, todo
pecado traz a morte, que é a penalidade imposta por Deus contra o
pecado. Mas, para que seus leitores não fiquem aterrorizados, João
repete: há pecado não para morte (5.17b). Nem todo pecado é o
pecado mortal. Há perdão e vida para os que não pecam para a morte. O
Senhor mesmo convida seu povo a buscar o perdão que ele concede (Is
1.18).
O que,
então, é o pecado para a morte? O apóstolo João não declara
explicitamente a que tipo de pecado se refere. Através dos séculos,
estudiosos cristãos têm procurado responder a esta pergunta. Alguns têm
entendido que João se refere à morte física, e têm sugerido que se trata
de pecados que eram punidos com a pena de morte conforme está no Antigo
Testamento (Lv 20.1-27; Nm 18.22). Não adiantaria orar pelos que
cometeram pecados punidos com a morte, pois seriam executados de
qualquer forma pela autoridade civil. Ou então, trata-se de pecados que o
próprio Deus puniria com a morte aqui neste mundo, como ele fez com os
filhos de Eli (2Sm 2.25), com Ananias e Safira (At 5.1-11) e com alguns
membros da igreja de Corinto que profanavam a Ceia (1Co 11.30; cf. Rm
1.32).
A Igreja
Católica fez uma classificação de pecados veniais e pecados mortais,
incluindo nos últimos os famosos sete pecados capitais, como
assassinato, adultério, glutonaria, mentira, blasfêmia, idolatria, entre
outros. Este tipo de classificação é totalmente arbitrário e não tem
apoio nas Escrituras.
A
interpretação que nos parece mais correta é que João está se referindo à
apostasia, que no contexto de seus leitores, significaria abandonar a
doutrina apostólica que tinham ouvido e recebido e seguir o ensinamento
dos falsos mestres, que negava a encarnação e a divindade do Senhor
Jesus. “Pode-se inferir do contexto que este pecado não é uma queda
parcial ou a transgressão de um determinado mandamento, mas apostasia,
pela qual as pessoas se alienam completamente de Deus” (Calvino).
Trata-se,
portanto, de um pecado doutrinário, cometido de forma voluntária e
consciente, similar ao pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo,
cometido pelos fariseus, e que o Senhor Jesus declarou que não haveria
de ter perdão nem aqui nem no mundo vindouro (cf. Mt 12.32; Mc 3.29; Lc
12.10). Em ambos os casos, há uma rejeição consciente e voluntária da
verdade que foi claramente exposta.
No caso
dos leitores de João, a apostasia seria mais profunda, pois teriam
participado das igrejas cristãs, como se fossem cristãos, participado
das ordenanças do batismo e da Ceia, participado dos meios de graça. À
semelhança dos falsos mestres que também, antes, tinham sido membros das
igrejas, apostatar seria sair delas (2.19), e se juntar aos pregadores
gnósticos e abraçar a doutrina deles, que consistia numa negação de
Cristo.
Tal
pecado era “para a morte” por sua própria natureza, que é a rejeição
final e decidida daquele único que pode salvar, Jesus Cristo. “Este
pecado leva quem o comete inexoravelmente a um estado de incorrigível
embotamento moral e espiritual, porque pecou voluntariamente contra a
própria consciência” (J. Stott).
É provavelmente sobre pessoas que apostataram desta forma que o autor de Hebreus escreveu, dizendo que “é
impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de
novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à
ignomínia” (Hb 6.4-6). Ele descreve essa situação como sendo um
viver deliberado no pecado após o recebimento do pleno conhecimento da
verdade. Neste caso, “já não resta sacrifício pelos pecados; pelo
contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a
consumir os adversários” (Hb 10.26-27). Este pecado é descrito como
calcar aos pés o Filho de Deus, profanar o sangue da aliança com que foi
santificado e ultrajar o Espírito da graça (Hb 10.29), uma linguagem
que claramente aponta para a blasfêmia contra o Espírito e a negação de
Jesus como Senhor e Cristo (ver também 2Pd 2.20-22, onde o apóstolo
Pedro se refere aos falsos mestres).
Não é sem razão que o apóstolo João desaconselha pedirmos por quem pecou dessa forma.
Alguém
pode perguntar se Deus fecharia a porta do perdão se pessoas que pecaram
para a morte se arrependessem. Tais pessoas, porém, não poderão se
arrepender. Elas não o desejam. E além disto, o Senhor determinou sua
condenação, a ponto de João não aconselhar que oremos por elas. “Tais
pessoas foram entregues a um estado mental reprovável, estão destituída
do Espírito Santo, e não podem fazer outra coisa senão, com suas mentes
obstinadas, se tornarem piores e piores, acrescentando mais pecado ao
seu pecado” (Calvino).
Notemos
que nestes versículos João não chama de “irmão” aquele que peca para a
morte. Apenas declara que há pecado para a morte e que não recomenda
orar pelos que o cometem. É evidente que os nascidos de Deus jamais
poderão cometer este pecado.
Portanto,
não se impressione com as ameaças de pastores do tipo "você está
blasfemando contra o Espírito Santo" se o que você estiver fazendo é
simplesmente perguntando qual a base bíblica para cair no Espírito, rir
no Espírito, a unção da leoa, e outras "manifestações" atribuídas ao
Espírito Santo.
***
Fonte: O Tempora! O Mores!
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