Magnífico: A viagem da Torá
>> terça-feira, 18 de junho de 2013
O
desenho original do texto da Torá é monótono. Não existem nele
pontuação alguma, nem pontos de interrogação ou exclamação, nem
vírgulas. Tampouco divisões por capítulos, menos ainda por versículos.
Apenas as divisões dos cinco livros e uma estranha divisão de parágrafos
que, às vezes, coincide com as parashiot.
Entretanto,
existe um parágrafo de duas linhas estranhamente sinalizado por um
espaço branco comprido antes e depois dele. Além disso, nesses espaços
brancos aparece a letra hebraica ‘nun’, equivalente ao ‘n’, invertida. Tanto antes do parágrafo quanto depois dele.
Esse
parágrafo emblemático não traz um erro de impressão. Temos evidências
arqueológicas, além de históricas, que mostram que o trecho vem sendo
copiado assim, sistematicamente por, pelo menos, mais de dois mil anos.
Esse parágrafo estranho aparece na parashá desta semana e diz: e
era quando viajava a Torá que Moisés dizia: ‘levanta-te Ad-nai e se
afastem teus inimigos e fujam da frente de ti quem te odeia’, e, ao
parar, dizia: ‘volta-te Ad-nai aos milhares de Israel’.
No
Talmud discutiram os sábios as possíveis razões de tal desenho para
este parágrafo. Uns propuseram que se trataria do final de um livro e
que, portanto, nossa divisão estaria errada. Outros disseram que o
parágrafo em si seria mais um livro e que a Torá teria seis, não cinco
livros como conhecemos. Por fim, concluíram que esse parágrafo não se
encontra no lugar certo e propuseram vários contextos onde deveria ser
recolocado, mas não chegaram a um consenso. Finalmente alguém disse:
‘Não conseguimos concordar, pois esse parágrafo não tem um espaço fixo.
Precisa estar solto justamente para indicar isso: que não pode ser
encerrado em nenhum lugar da Torá. Os espaços em branco que o precedem e
o sucedem são espaços de movimentação’. Querem dizer figurativamente
que o parágrafo precisa se movimentar pelo pergaminho. Por isso apareçam
lá duas letras nun (N), que indicariam o mandamento nosea(viaja). Pois o parágrafo que fala sobre a viagem da Torá precisa viajar pela Torá.
E que significa a viagem da Torá?
A
viagem da Tora é extremamente importante, pois nela está o segredo de
sua sobrevivência. Um livro encerrado num armário, por mais sagrado que
sejam o livro e o armário, está condenado a morrer. No esquecimento. Na
irrelevância. Um livro que viaja é um livro vivo, que penetra na vida
das pessoas, nas histórias de indivíduos, famílias, comunidades e
sociedades, e povos. O livro viaja quando o deixamos entrar em nossas
experiências e reflexões quando dialogamos com ele, discutimos com ele e
permitimos dizer o que deveríamos ter dito ou feito estando no lugar de
seus personagens. Desse modo, também os personagens falam conosco sobre
nossas vidas, pensamentos, emoções e ações.
Só uma Torá assim, reinterpretada com subjetividade compromissada, vive e viverá.
A Torá viajou pelo deserto junto aos nossos antepassados e viajou depois por todas as histórias e geografias das comunidades.
Por
isso, cada vez que lemos a Torá na sinagoga, fazemos com que ela viaje
por entre as pessoas que ali estão. Não é imprescindível beijar o
objeto, o mais importante é abrir nossas vidas à sua mensagem. Deixá-la
viajar por dentro de nós e viajar através dela ao passado, ao futuro, ao
nosso interior e à nossa transcendência.
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