O apóstolo da China
>> sábado, 11 de agosto de 2012
Um dos principais líderes da Igreja clandestina chinesa, Liu Zhenying, o
Irmão Yun, tem uma trajetória marcada pelo sofrimento por amor a
Cristo.
O livro de Atos dos Apóstolos menciona a trajetória de homens que se tornaram verdadeiros heróis da fé por anunciar o Evangelho em um mundo hostil à mensagem cristã. Gente como Pedro, Silas e, principalmente, Paulo sofreram na própria pele o preço de seguir a Jesus e fazê-lo conhecido: foram perseguidos, espancados, presos e alijados dos mais elementares direitos por sua opção de seguir o “Ide” do Mestre. Das páginas da Bíblia aos dias de hoje, quase tudo mudou, menos a disposição de alguns crentes em arriscar a própria vida em favor das almas sem salvação. Conhecido simplesmente como Irmão Yun, o chinês Liu Zhenying é um homem simples, de pouca instrução formal, para quem o conhecimento do Reino de Deus vem muito mais pela experiência prática do que dos bancos teológicos. Mas tem construído em plena pós-modernidade uma biografia daquelas que a própria Bíblia define como a de homens dos quais o mundo não é digno.
Missionário por convicção, Yun dedicou a maior parte de sua vida à
pregação do Evangelho aos seus compatriotas. Foi preso diversas vezes,
submetido a trabalhos forçados, fome e maus tratos. Mesmo assim, nunca
perdeu a disposição e a visão do Reino de Deus. Ele é o “Homem do Céu”. O
apelido, que dá nome ao seu livro autobiográfico escrito em parceria
com Paul Hattaway (lançado no Brasil pela Editora Betânia), surgiu
depois de um dos muitos problemas que teve com as autoridades de seu
país por insistir em fazer proselitismo cristão, o que, pelas leis
comunistas que regem a China, é proibido. Líder da Igreja doméstica
chinesa – que, ao contrário da Igreja oficial, monitorada pelo governo,
luta para viver sua fé livremente (ver quadro com entrevista)
–, ele certa vez recusou-se a dar aos policiais o seu verdadeiro nome e
endereço, para não pôr em risco seus irmãos na fé. Simplesmente gritou:
“Sou um homem do céu, meu lar é o céu!”, senha que, ouvida pelos outros
crentes, permitiu que todos fugissem a tempo das casas vizinhas.
Nascido em 1958, Yun veio ao mundo numa aldeia pobre da província de
Henan, região central da República Popular da China. Era uma época de
extrema repressão política no país, quando a Guarda Vermelha da
Revolução Cultural espalhava o terror entre os considerados inimigos do
regime. Como a Bíblia era um livro proibido e pregar o Evangelho, um
crime contra o Estado, só mesmo uma evidente manifestação do poder de
Deus poderia levar alguém a crer em Jesus. E ela aconteceu quando o pai
de Yun, abatido por um câncer mortal, teve a saúde restabelecida, fato
atribuído pela família a um milagre divino. A partir dali, a casa da
família virou uma igreja doméstica, onde o nome de Jesus era pregado
entre portas trancadas e janelas cerradas. Uma congregação sem bíblias,
mas com extremo ardor missionário, nasceu.
Aos 51 anos de idade, Irmão Yun é considerado um dos maiores evangelistas da história da China. |
Nasce um pregador – “Eu tinha 16 anos de idade quando o
Senhor me chamou para segui-lo”, lembra Yun. Seus primeiros passos na
fé foram marcados por situações inusitadas – como certa vez em que
sonhou que dois homens lhe davam uma Bíblia. Por toda a China,
pouquíssimos exemplares das Escrituras resistiram às fogueiras do
Partido Comunista. Apenas a leitura do Livro Vermelho de Mao Tsé-Tung
era permitida. Após orar e jejuar semanas a fio por uma Bíblia, os dois
homens que vira no sonho foram sorrateiramente à sua casa e lhe
entregaram um exemplar da Palavra de Deus. Após ler e decorar passagens
inteiras, o jovem Yun ouviu alguém lhe dizer, no meio de uma noite, que
seria enviado a pregar o Evangelho. Pensou que era sua mãe quem o
chamava, mas após ouvir a voz mais duas vezes, entendeu, à semelhança do
que ocorreu com Samuel, que era o próprio Deus que o comissionava como
sua testemunha.
Em pouco tempo, a história do rapaz que havia recebido “um livro do
céu” correu a região. Yun começou a ser chamado a várias vilas, sempre
encontrando pessoas ávidas por ouvi-lo. Batizava os novos convertidos às
escondidas, durante as madrugadas. “Multidões se convertiam todos os
dias”, relata em seu livro. Começou a ser perseguido, e à semelhança dos
apóstolos do Novo Testamento, compartilhava a Palavra de Deus por onde
ia ou era levado – inclusive na cadeia. Chegou a passar três anos preso,
e numa dessas detenções conseguiu fugir inexplicavelmente pelo portão
principal da penitenciária. Esteve com a vida por um fio diversas vezes,
como na ocasião em que jejuou por mais de 70 dias. “Tenho fome de
homens e almas”, dizia resolutamente aos que lhe aconselhavam a comer.
Para Yun, os longos períodos de prisão, embora o afastassem da igreja,
da mulher, Deling, e dos dois filhos, eram uma oportunidade e tanto para
evangelizar os companheiros de cela. “Eu fiz um acordo com o líder da
prisão, que se eu fizesse bem as minhas tarefas, ele me deixaria ficar
com a minha Bíblia”, lembra. “A maioria dos prisioneiros não eram
criminosos perigosos e descobri que muitos deles tinham membros da
família que eram cristãos”. Após sucessivos processos, foi solto pela
última vez em 1999 e fugiu da China com a família, primeiro para Myanmar
e depois para a Alemanha, onde obteve a condição de refugiado. Mesmo no
Ocidente, Yun mantém contato frequente com a Igreja clandestina chinesa
e atua mobilizando a comunidade evangélica internacional em favor dos
crentes perseguidos de seu país. Ele fundou a missão Back to Jerusalem (“De
volta a Jerusalém”), que treina missionários para pregar o Evangelho na
chamada Janela 10-40, região imaginária situada entre aqueles paralelos
geográficos e que inclui as nações menos evangelizadas do mundo,
inclusive a China.
Presença requisitada no mundo todo, o missionário visita o Brasil pela
primeira vez agora em abril. Aqui, cumpre uma agenda que inclui São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte (MG) e Brasília, entre outras
localidades. “Minha primeira impressão sobre o país veio pelas palavras
de um jogador de futebol brasileiro que, depois da conquista da Copa do
Mundo de 1994, disse que foi Deus quem lhe deu a vitória”, diz Yun. Com
esta viagem, ele espera proclamar aos cristãos brasileiros a necessidade
de cada qual, em particular, se tornar um “discípulo consequente” de
Jesus. Irmão Yun espera que sua presença no Brasil sirva de
despertamento para a Igreja Evangélica nacional acerca de urgência da
evangelização mundial. “Nosso chamado é o de levar o Evangelho a todas
as nações por onde passarmos”, conclui.
“Orem pela Igreja clandestina”
Poucas semanas antes de embarcar rumo ao Brasil, o missionário Liu
Zhenying atendeu com exclusividade a reportagem de CRISTIANISMO HOJE na
Alemanha, onde vive. Nesta entrevista, concedida em mandarim, ele faz um
relato da situação dos cristãos em seu país e apela à Igreja ocidental
que renuncie ao materialismo e assuma posição de relevância na obra de
evangelização mundial. “Orem pela China”, apela.
CRISTIANISMO HOJE – Qual é a real situação, hoje, da Igreja perseguida em seu país?
IRMÃO YUN – Ela está crescendo, apesar da constante perseguição. Hoje mesmo, pela manhã [N.da Redação: a entrevista foi concedida no dia 8 de março],
recebi um telefonema dando conta de que, nas últimas três semanas, mais
de setenta líderes das igrejas não-oficiais, somente na minha cidade de
origem, foram presos. Os policiais tomaram deles tudo o que possuíam –
que já era pouco – e ainda lhes aplicaram uma multa em dinheiro. Como
todos os nossos pastores e líderes são pobres, não têm como pagar;
então, permanecem na prisão por muito tempo.
Estima-se que a população cristã na China de hoje beira os 80
milhões de indivíduos, o que a colocaria na segunda posição mundial em
números absolutos de crentes. Esse número corresponde à realidade?
Bem, conforme os últimos relatos do ministério encarregado dos assuntos
religiosos do governo chinês, o número de cristãos na China já passou
dos 100 milhões. Os dados passados pelos responsáveis do governo são
reais, pois há poucos dias um líder da Igreja doméstica me confirmou
esse número. Eu, pessoalmente, acredito que são mais de 20 mil
conversões por dia. Mas há organizações que falam em mais de 30 mil
novos convertidos ao Evangelho diariamente.
Quantos deles pertencem às igrejas clandestinas?
Cerca de 70 por cento dos crentes chineses são ligados às igrejas
clandestinas e às comunidades evangélicas domésticas. Os outros são
membros da Igreja oficial.
Qual o perfil social da membresia da Igreja chinesa?
Antigamente, havia cristãos somente nas pequenas províncias, e eles eram muito pobres. Após 1989 [N.da
redação: naquele ano, houve um grande levante estudantil contra o
regime chinês, que desencadeou o Massacre da Praça da Paz Celestial, na
capital Pequim], muitos estudantes se converteram a Jesus. Desde então, pessoas de poder aquisitivo também passaram a crer em Jesus.
O senhor acha possível ser um verdadeiro cristão estando ligado à Igreja oficial?
É possível, sim. Eles amam a Deus, assim como os outros cristãos da
Igreja subterrânea também o fazem. Esses irmãos trabalham para o
governo, mas seus corações pertencem a Jesus.
Existe algum diálogo entre o Estado e a Igreja não-oficial?
Não existe esse diálogo porque o governo chinês não dá a nenhuma
oportunidade de conversação. Eles perseguem a Igreja clandestina
continuamente.
Quais são as maiores penalidades a que um cristão pode ser submetido pelas leis chinesas?
Na China, o cristão pode ser condenado até mesmo à pena de morte. É
proibido falar do Evangelho. São permitidos apenas os cultos realizados
pela Igreja oficial – e o governo impõe dia, hora e local para a
realização dessas reuniões. Quem não cumpre exatamente o estabelecido é
multado como os setenta pastores recentemente punidos. Como já disse,
que não tem dinheiro para arcar com essas multas acaba preso.
Como é o ensino religioso e a formação de obreiros na China?
Existem escolas bíblicas nas igrejas oficiais. Nas congregações
subterrâneas, temos seminários clandestinos para preparo de líderes. Mas
quando as aulas são dadas por um professor estrangeiro e ele é
descoberto pelas autoridades, é imediatamente deportado e não pode
retornar ao país durante cinco anos.
É possível montar uma liderança forte nestas condições?
As igrejas clandestinas têm a sua liderança autóctone muito forte e bem
preparada – para ser aprovado para dirigir uma igreja não-oficial, é
necessário que o candidato a líder tenha passado pelo cativeiro ao menos
de uma até três vezes. Apenas estudar numa escola bíblia não é
suficiente.
Como é o dia-a-dia de um crente perseguido em função de sua fé?
Um cristão ou lider perseguido não deve retornar para sua casa. Caso a
sua família ou os seus amigos o acolham, tornam-se seus cúmplices, e
também podem ser presos. Muitos vão para as pequenas províncias para
fazer o trabalho missionario. Mas, muitos outros, mesmo correndo o risco
de serem presos, permanecem onde estão, falando do Evangelho por amor a
Jesus.
Como é o seu ministério hoje, depois que obteve asilo na Alemanha?
Meu ministério continua sendo pregar o Evangelho e dar testemunho do
poder de Jesus. Eu trabalho principalmente com obreiros e pastores. Em
amo a Igreja clandestina chinesa e consaidero-me seu porta-voz aqui no
Ocidente.
Em seu livro, o senhor relata diversos episódios marcados pelo que
considera ação sobrenatural de Deus, como a cura de seu pai e a sua fuga
da prisão. Muitos crentes, contudo, acham que esse tipo de manifestação
está restrito ao passado. O que é preciso para ver o milagre acontecer?
Nós precisamos ter fé, confiar no Senhor e orar para que o milagre
possa acontecer. Nós precisamos obedecer exatamente às instruções de
Deus, então pode acontecer um milagre. Eu acredito que milagres assim
não aconteceram só na época dos apóstolos ou comigo, mas ocorrem
diariamente e podem acontecer com todos os creem na verdade divina.
Mesmo que o mundo se modifique, a Palavra de Deus jamais mudará. Ela
permanece a mesma, sempre real e viva!
O senhor faz críticas ao materialismo da Igreja Evangélica ocidental.
Na sua opinião, como essa Igreja pode exercer papel relevante no Reino
de Deus?
Primeiramente, verifiquei que os pastores das Igrejas tradicionais
ocidentais veem sua obra como uma profissão. Isso significa que não
realizam a obra de Deus como um chamado e não querem abrir mão do seu
poder aquisitivo. Na China, nossas prioridades são diferentes: primeiro,
tornar-se cristão, através da conversão. Segundo, afastar-se das
tentações e tentar viver uma vida sem pecado. Acredito que, apesar da
influência do materialismo sobre o Ocidente, a Igreja dessa parte do
mundo deve se empenhar para divulgar o Evangelho e ajudar aos
necessitados.
O que a Igreja brasileira, especificamente, pode fazer em relação
àqueles irmãos chineses que sofrem restrições e supressão de direitos em
virtude de sua fé em Cristo?
Em primeiro lugar, orar pelas famílias dos líderes e pastores
encarcerados. Eu sou muito grato aos irmaãos de todo o mundo que oraram
por mim e por minha família enquanto estive preso. É preciso orar também
pela evangelização nos países budistas, islâmicos e hinduístas, e pelas
Igrejas clandestinas chinesas, também chamadas subterrâneas, para que
não sejam influenciadas pelo crescimento econômico. Pedir a Deus que,
apesar da perseguição, elas continuem firmes e convictas na visão do
Reino de Deus. O desejo sincero do meu coração é que cada cidadão chinês
possa possuir a sua própria Bíblia.
Aos 51 anos de idade e depois de tantos sofrimentos, experiências
milagrosas e realizações para o Reino de Deus, o que o senhor faria
diferente em seu ministério, caso pudesse voltar no tempo?
Olha, eu agradeço a Deus por ter me convertido ao cristianismo aos 16
anos de idade. Na minha vida, já passei por muitos sofrimentos e também
obtive muitas vitórias. Não me arrependo de nada. Porém, se eu tivesse a
oportunidade de voltar no tempo novamente, eu faria tudo com maior
convicção, dedicação e fé.
Fonte:cristianismohoje
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