O papa que sumiu do mapa
>> domingo, 10 de março de 2013
Mesmo quem
não é católico não consegue ficar indiferente, além do bombardeio
midiático constante, a esta armadilha humana do tempo, talvez porque o
mecanismo de escolha de um papa pareça um procedimento arcaico tão
contrastante com o mundo antenado em que vivemos hoje.
Depois de
eleito o novo líder católico, ao ser apresentado ao mundo na sacada da
Basílica de São Pedro, o último mistério a ser desvendado é o nome com o
qual ele quer ser chamado a partir de então.
Só para lembrar os últimos 5 papas, Bento XVI foi o nome escolhido por Joseph Alois Ratzinger, João Paulo II por Karol Józef Wojtyła, João Paulo I por Albino Luciani, Paulo VI por Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini e João XXIII por Angelo Giuseppe Roncalli.
Ao escolher o
seu nome litúrgico, o novo papa já dá uma indicação de que linha
pretende seguir. É seu primeiro recado ao mundo sobre os valores que ele
preza (e pretende reforçar) e os antecessores que admira (e quer
homenagear).
Bento XVI, por exemplo, se apresentou – de certa maneira – como sucessor de Bento XV (1914-1922), que liderou a igreja durante a Primeira Guerra Mundial, agindo como pacificador, e fez reformas administrativas no Vaticano, no que – aparentemente – Joseph Ratzinger não teve a mesma sorte.
Bento XVI, por exemplo, se apresentou – de certa maneira – como sucessor de Bento XV (1914-1922), que liderou a igreja durante a Primeira Guerra Mundial, agindo como pacificador, e fez reformas administrativas no Vaticano, no que – aparentemente – Joseph Ratzinger não teve a mesma sorte.
Por sua vez,
João Paulo II fez referência ao curto papado de 33 dias de João Paulo
I, cujo carisma e simpatia o papa polonês teve muito sucesso não só em
replicar como elevar a níveis estratosféricos.
Já João
Paulo I quis fazer uma homenagem aos papas imediatamente seus
antecessores, João XXIII e Paulo VI, numa indicação de que queria
sedimentar e – talvez – aprofundar as mudanças na igreja católica
promovidas pelos dois durante o revolucionário Concílio Vaticano II, que
aproximou muito mais o Vaticano da realidade do mundo atual. Não teve
tempo para tal missão.
Portanto,
fica a dúvida um tanto quanto de jogo de adivinhação. Que nome tomará o
futuro papa? Bento XVII? João Paulo III? Paulo VII? João XXIV? Pedro II,
como predizem as profecias catastróficas? Outra linhagem de um nome já consagrado pela tradição? Ou um nome completamente novo?
Aí, quando
se vai pesquisar os nomes possíveis, assim a título de experimentação
(ou curiosidade mórbida), não há nenhuma hipótese que seja mais
complicada do que um novo João, justo ele que compôs o nome de três dos
últimos cinco papas.
O primeiro papa João XXIII, condenado ao esquecimento por seu homônimo do séc. XX |
Isto se
deveu ao Grande Cisma católico do Ocidente de 1378 a 1417, interregno em
que os católicos chegaram a ter três papas concomitantes, cada um com
sede em Roma, Avinhão e Pisa, respectivamente.
O primeiro
João XXIII (cujo nome de batismo era Baldassarre Cossa e reinou em
Pisa) pertenceu a este conturbado período da igreja católica, lembrando
que o Grande Cisma do Oriente (o rompimento com os ortodoxos) já havia
ocorrido de forma definitiva em 1054.
João XXIII esteve presente no Concílio de Constança (1414-1418), que - além de resolver a pendência sobre os três papas - condenou o proto-reformador, outro "João" - Jan Hus - à fogueira, executado que foi em 6 de julho de 1415.
Ocorre que, como todo "bom" papa da época, o primeiro João XXIII também tinha vendido indulgências para custear sua guerra contra o rei Ladislau de Nápoles, situação à qual João Hus (ou Huss, segundo outra grafia) veementemente se opôs.
Daí você percebe que a Reforma Protestante levada adiante por Lutero 100 anos depois não foi assim algo inusitado (ou inesperado) na história da igreja católica.
Jan Hus, um pré-protestante imolado em meio à guerra de três papas. |
Já quanto ao
antipapa, por ele não ter sido excomungado quando (nem depois) da
unificação do papado sob Martinho V (1417-1431), sempre houve muita
controvérsia sobre a validade do primeiro João XXIII, havendo quem
advogasse pela sua legitimidade.
Tanto isto é verdade que - por mais de 500 anos - o nome (que era tão comum até então) não voltou a ser usado até o segundo João XXIII, que podia ter se chamado João XXIV, mas ao escolher o numeral XXIII, excluiu definitiva e oficialmente o primeiro João da lista oficial dos papas, onde constava, ainda que bem timidamente, até a década anterior, mais precisamente 1947, ano em que seu antecessor, Pio XII, já havia feito uma reforma radical na lista sucessória.
Tanto isto é verdade que - por mais de 500 anos - o nome (que era tão comum até então) não voltou a ser usado até o segundo João XXIII, que podia ter se chamado João XXIV, mas ao escolher o numeral XXIII, excluiu definitiva e oficialmente o primeiro João da lista oficial dos papas, onde constava, ainda que bem timidamente, até a década anterior, mais precisamente 1947, ano em que seu antecessor, Pio XII, já havia feito uma reforma radical na lista sucessória.
Pio XII, cujo nome de batismo era Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, também ele um "João", só que na certidão de nascimento. |
Em
19/01/1947, numa martelada só, o papa Pio XII anunciou a retirada de 6
papas da lista oficial do Vaticano, sob a alegação de que "um engano foi
cometido porque eles nunca existiram".
Pio XII autorizou também a retificação da cronologia de vida de 74 papas, e revogou a canonização ("declaração de santidade") de 4 deles, fazendo-os descer dos altares católicos.
Cá entre nós, esta foi a maior acochambrada que a lista sucessória papal recebeu na história.
Pio XII autorizou também a retificação da cronologia de vida de 74 papas, e revogou a canonização ("declaração de santidade") de 4 deles, fazendo-os descer dos altares católicos.
Cá entre nós, esta foi a maior acochambrada que a lista sucessória papal recebeu na história.
João XXIII, o "papa bom", não foi nada bom para o seu homônimo do séc. XV |
Pouco tempo depois, apesar daquele seu jeito bonachão, o papa João XXIII pegou pesado com seu homônimo de 5 séculos antes.
OK, resolvido então o problema com o nome João? A resposta é um rotundo “não”.
Se você
achava que todo o imbroglio acima relatado já era o suficiente, pode
tirar o seu cavalinho da chuva. Há mais duas celeumas envolvendo a
alcunha. E – pasme! – são ainda mais incríveis.
O segundo problema com o nome João é que você procura, procura, procura na lista sucessória oficial dos papas e não acha nenhum João XX. Ele simplesmente não existiu. Escafedeu-se sem ter sequer aparecido.
O segundo problema com o nome João é que você procura, procura, procura na lista sucessória oficial dos papas e não acha nenhum João XX. Ele simplesmente não existiu. Escafedeu-se sem ter sequer aparecido.
“Como
assim?”, você certamente perguntará. “Pularam do João XIX para o XXI
como se não houvesse amanhã?". A resposta agora para o “sumiram com o
papa João XX?” é um rotundo “sim”.
O fato é que, entre os papas João XIX (1024-1032) e João XXI (1276-1277), não existe nenhum outro romano pontífice chamado João.
Papa João XXI. Sim, já houve papa português! |
Que nossos
patrícios nos perdoem, mas os investigadores da matéria jogam a culpa no
português Pedro Hispano, que ao assumir o papado, avocou a si o nome
de João XXI.
Entre tantos candidatos a culpado pela confusão generalizada na lista dos "Joões", foram escolher justo alguém que nasceu em Lisboa.
Antes de
fazer piada com nosso querido amigo lusitano de 8 séculos atrás, ao que
tudo indica ele teve razões (até então) sólidas para pular o número XX, a
não ser que tivesse alguma superstição com o algarismo 20, o que jamais
saberemos.
É que, lá
atrás, nos séculos XI e XII, já havia alguns historiadores que se
dedicavam a colecionar os poucos dados disponíveis sobre a sucessão
papal, e eles garantiam de pés juntos que tinha havido um papa chamado
João entre o antipapa Bonifácio VII (984-985) e o Papa João XV
(985-996).
Além disso, existe a confusão em torno do papa João XVI, que teria sido mais um antipapa, Giovanni Filagato, que reinou de 997 a 998 . João XVII (que governou a igreja por menos de 2 meses em 1003) pelo menos considerou a numeração anterior como válida, ainda que seu detentor tivesse sido excomungado.
Aquela
corrente histórica, muito provavelmente, foi tão forte e influente que
convenceu Pedro Hispano a pular o número XX e atribuir-se a si mesmo o
número XXI.
Só que ele, coitado, também errou, mas como palavra de papa não pode ser mudada e é definitiva, a exemplo do ocorrido com João XXIII, tudo ficou como estava. Persistiram no erro. Tudo como dantes no reino de Abrantes.
Só que ele, coitado, também errou, mas como palavra de papa não pode ser mudada e é definitiva, a exemplo do ocorrido com João XXIII, tudo ficou como estava. Persistiram no erro. Tudo como dantes no reino de Abrantes.
Aí você
provavelmente pensaria: “OK, já encheu o saco essa história de papa
chamado João”. Lamentamos informar que não dá para terminar por aqui,
pois há outra estória (com “e” mesmo) curiosíssima que decorre da
ausência do vigésimo João.
A coisa
passa agora para o terreno do fantástico, provando que ficção e lenda
urbana não são fenômenos assim tão atuais na história da humanidade.
A papisa Joana virou até filme. |
Sim, é isso
mesmo que você leu: “papisa”, uma mulher. Segundo o mito, não existe
João XX na lista oficial de papas porque “ele” era na verdade “ela”.
Há muitas
variações da estória, todas elas cheias de informações detalhadas (e
delirantes) que buscam lhes dar um toque de seriedade, mas o enredo
básico dá conta de uma mulher (de origem inglesa segundo a versão mais
contada) muito culta que chega travestida de homem a Roma, se apresenta
como monge e se infiltra na igreja, até ser elevada à condição de
cardeal, quando finalmente atinge o papado com o nome de "João",
sucedendo Leão IV no ano 855.
A fantasiosa
papisa Joana teria, então, se dedicado às práticas carnais (das quais,
diga-se a favor do mito, muitos papas reais desfrutaram à beça) no seu
curto reinado de dois anos e meio, e teria ficado grávida de algum
membro da corte vaticana.
Rezam as más
línguas que, numa procissão pelas ruas de Roma, o cavalo que levava
Joana empinou assustado com a multidão e a papisa (até então tida como
homem) veio ao chão, onde, para espanto de todos, deu início a um parto
prematuro. Imagine a cena...
O povão talvez pensando que o papa João tinha engordado por causa dos banquetes no Vaticano, e - ploft! - "ele" dá à luz um bebê (!!?).
A pobre (e
desmascarada) Joana teria sido, então, amarrada a um cavalo e apedrejada
até a morte por haver profanado o trono de Pedro.
Daí teria - também - originado toda a confusão na numeração dos papas de nome João. Havia que suprimir o João travesti.
Daí teria - também - originado toda a confusão na numeração dos papas de nome João. Havia que suprimir o João travesti.
O parto da papisa Joana, sátira de Giovanni Boccaccio, mais conhecido por "Decameron" |
Se você
queria que nós poupássemos os leitores de mais detalhes sórdidos,
lamentamos contrariá-lo porque há mais uma fofoca de bastidor
(consagrada pela história) a ser contada.
Já há muito tempo não há dúvidas de que a estória da papisa Joana foi só uma lenda jocosa que os súditos (não tão católicos assim, como Boccaccio na gravura acima) construíram ao longo dos séculos para satirizar o poderio e a libertinagem dos papas da época.
Já há muito tempo não há dúvidas de que a estória da papisa Joana foi só uma lenda jocosa que os súditos (não tão católicos assim, como Boccaccio na gravura acima) construíram ao longo dos séculos para satirizar o poderio e a libertinagem dos papas da época.
O que não faltou na Idade Média e no Renascimento foi gravura ridicularizando a infausta papisa Joana |
Consta que o
recém-eleito papa deveria, antes de mais nada, sentar-se sem roupas
íntimas numa “poltrona” que se parecia com o atual assento de um vaso
sanitário (que só foi inventado em 1775),
e alguém colocava a mão por baixo da cadeira para apalpar o pênis e os
testículos do pontífice, a fim de se certificar de que ele não era
mulher nem eunuco.
Viu como os atletas que se queixam dos excessivos controles dos exames antidoping de hoje em dia não têm do que reclamar?
Sugerimos, portanto, que você reveja o seu conceito do que significava "encher o saco" naquela época...
Viu como os atletas que se queixam dos excessivos controles dos exames antidoping de hoje em dia não têm do que reclamar?
Sugerimos, portanto, que você reveja o seu conceito do que significava "encher o saco" naquela época...
Um momento constrangedor dos antigos papas. Repare que tem alguns prelados assobiando ali do lado esquerdo do recém-eleito papa. |
Este “trono” especial tinha um nome em latim, sedia stercoraria,
e - por incrível que pareça – ele existe até hoje e está preservado no
Museu do Vaticano (foto abaixo), sem – obviamente – qualquer referência
ao seu suposto uso impudico em tempos medievais.
Cá entre nós, quanta confusão causou o nome João no Vaticano ao longo da história...
Bem, pelo
menos de uma coisa podemos ter certeza: se o novo papa for brasileiro,
ele nunca que vai querer ser chamado de João XXIV. Piada pronta tem
limite, né não?
0 comentários:
Postar um comentário