Sepultar ou cremar: uma perspectiva cristã
>> segunda-feira, 11 de março de 2013
Por David W. Jones
Com a falta de
orientação moral explícita da Escritura, a cremação tornou-se uma opção
crescentemente popular para crentes e descrentes contemporâneos. Apesar
disso, para boa parte da história, a cremação tem sido evitada e
desencorajada por quase toda a tradição judaico-cristã. Então, como
desenvolvemos uma ética bíblica da cremação?
Gostaria de sugerir aos
cristãos que comecem a abordar essa questão considerando três questões
fundamentais para qualquer metodologia ética.
1. Quais normas morais se aplicam a essa situação?
Existem três referências
momentâneas a cremação na Bíblia que vale a pena considerar (1 Sm
31.11-12; Amós 2.1-3; 6.8-11), mas, essas referências são em grande
parte acidentais e não dão orientação moral explícita. Um apelo à lei
moral conforme expressa no Decálogo pode ser útil, contudo, porque o
oitavo mandamento aborda a administração material. A norma moral
expressa é descrita negativamente como “Não furtarás” (Ex 20.15). No
entanto, pode ser descrita positivamente como “Respeite bens materiais”
ou “Administre propriamente as posses materiais”. E administração não é
sinônimo de moderação. Administrar significa tomar conta de algo
corretamente, e assim a opção mais barata e mais fácil – geralmente
cremação – não é necessariamente a mais moral.
Como mencionado mais
cedo, a tradição judaico-cristã historicamente tem entendido o chamado
bíblico para administração adequada de posses materiais ensinando que o
sepultamento é o melhor jeito de lidar (ou administrar) o corpo de um
falecido – independentemente de uma análise custo-benefício. Como o
apóstolo João escreveu, “como é de uso entre os judeus na preparação
para o sepulcro.” (João 19.40). Como exemplo, indivíduos importantes na
Escritura que foram sepultados – não cremados – incluem-se: Raquel (Gn
35.19-20), José (Gn 50.25; Êx 13.19; Js 24.32), Arão (Dt 10.6), Moisés
(Dt 34.5-8), Josué (Js 24.30), Samuel (1 Sm 25.1), Davi (1 Rs 2.10),
João Batista (Mt 14.12), Lázaro (João 11.17-18), Estêvão (Atos 8.2), e, é
claro, Jesus Cristo (João 19.38-42).
2. Qual método melhor demonstra o amor de Deus e o amor ao próximo?
A Escritura nos ensina
que o amor a Deus e o amor pelos outros (mesmo os falecidos) é uma marca
do caráter cristão (Jo 11.1-44). Então, qual método de funeral melhor
demonstra o amor de Deus e ao próximo? Assumindo uma visão global dos
seres humanos, o corpo do falecido deve ser respeitado e aqueles que
escolhem o procedimento de funeral devem demonstrar amor ao próximo –
incluindo a pessoa que faz planos para enterrar o seu próprio corpo.
Dentre as doutrinas que formam e informam tal amor em relação a um
cadáver – incluindo o nosso próprio – estão a dignidade do corpo humano e
a ressurreição física futura.
A dignidade do corpo
humano é apoiada por ensinamentos bíblicos como o “muito bom” (Gn 1.31)
de Deus, o homem feito à imagem de Deus (Gn 1.26-27), a encarnação de
Cristo (Hb 2.14), e a redenção do corpo humano (Rm 8.23). Do mesmo modo,
a ressurreição física futura é ensinada em passagens como 1 Coríntios
15.35-49 e Filipenses 3.20-21. Note, também, que na Escritura cadáveres
sepultados são referidos como pessoas – geralmente pelo nome – não como
coisas ou pessoas extintas (Mc 15.45-46; Jo 11.43). Além disso, a
palavra mais predominante usada no Novo Testamento para descrever a
morte de um crente é “dormir”, um termo empregado por Jesus (Mt 9.24; Mc
5.39; Lc 8.52; Jo 11.11) e Paulo (1 Co 11.30; 15.6, 18, 20, 51; 2 Co
5.6-8; 1 Ts 4.13-16).
À vista dessas
passagens, entendemos que o corpo é mais do que uma casca temporária
habitada por um período. O “eu” real tem tanto componentes materiais
quanto imateriais. De fato, o homem é um ser holístico com um corpo,
alma, e espírito. Embora, na morte o corpo humano não mais hospede uma
alma/espírito, mesmo assim o corpo precisa de respeito e dignidade.
Assim como a alma/espírito é renovada na conversão (2 Co 5.17), o corpo
físico também será renovado e reunido com a alma/espírito no fim dos
tempos (1 João 3.2; Rm 8.23). Tal raciocínio começa a dar direção moral
para a ética da cremação.
3. Qual método traria mais glória a Deus?
As principais opções
disponíveis para a maioria são a cremação e sepultamento. Por uma
variedade de razões, aqueles que encaram essa decisão devem se inclinar
mais para uma opção ou a outra – mas raramente a glória de Deus é citada
como justificativa. Em vez disso, as escolhas funerárias são geralmente
baseadas em fatores proveitosos como despesa, preocupação ambiental, e
facilidade de transporte, entre outras justificativas pragmáticas. De
novo, a opção mais barata ou mais fácil não é sempre (ou mesmo
geralmente) o caminho que traz mais glória a Deus.
Dos tempos bíblicos até
metade do século XIX, a igreja estava praticamente unida na visão de que
o sepultamento traz mais glória a Deus. Crentes têm fundamentado que o
sepultamento reflete melhor a administração adequada do corpo e o valor
divino do mundo material, retrata de forma mais visível a mensagem do
evangelho, comunica de forma mais clara a esperança da ressurreição do
corpo futuro, e expressa de forma mais nítida a promessa de uma
existência física eterna. Certamente, nem todos vão concordar com essa
posição, mas a igreja construiu essa visão em parâmetros bíblicos e
teológicos (e não no dualismo platônico difundido no mundo bíblico). Na
verdade, dado que a cremação era comum no mundo greco-romano, sabemos
que a preferência consistente da igreja não reflete ética utilitária ou
acomodação cultural. Em vez disso, sepultamento reflete uma cosmovisão
judaico-cristã distinta.
Apesar da preferência
histórica da igreja pelo sepultamento, nem todas as mortes permitem aos
entes queridos uma oportunidade de escolher o método do funeral. Fatores
como a localização e a maneira da morte, parâmetros legais específicos
de uma nação, como também os recursos da família vão fundamentar
práticas e decisões funerárias. No entanto, se há escolha, crentes
contemporâneos abertos à cremação deveriam ser aconselhados a
cuidadosamente considerar a prática e avaliá-la à luz da Palavra de
Deus.
Afinal, dentro da
tradição cristã, funerais não são simplesmente modos de descartar
cadáveres, nem são sobre recordar falecidos ou expressar pesar. Em vez
disso, para crentes, funerais devem ser eventos centrados em Cristo,
testificando toda a mensagem e esperança do evangelho.
Fonte: Ipródigo
0 comentários:
Postar um comentário