“Não levantareis a mão contra o ungido do Senhor”
>> segunda-feira, 11 de março de 2013
A
Internet está servindo de palco para o maior vale-tudo de todos os
tempos. Como o mais amplo fórum aberto a discussões da História da
humanidade, a web possibilita como nunca antes que pessoas de
todos credos, raças, gêneros, idades e classes sociais digam o que
pensam sobre tudo. Tribos inteiras se ocupam dos assuntos mais diversos,
desde a vida privada de celebridades até descobertas incríveis nas
ciências.
E há grupos que só querem anarquizar.
A Igreja está bem presente na Internet e as discussões voltadas para
ela são como um furacão soprando por ambientes virtuais, como Twitter,
Facebook, blogs e salas de chat. É um furacão que gira em
torno, principalmente, da revolta com o estado em que a Igreja se
encontra em nossos dias. Ela se manifesta em duas facções principais: a
revolta que parte de pessoas que foram machucadas no ambiente
eclesiástico e uma revolta ideológica. Essa – que será o foco deste post
– não se fundamenta num sentimento de dor pessoal, mas num desprezo
pelo que se percebe como o desvirtuamento dos rumos do povo de Deus.
Assim, os adeptos da Missão Integral estão fartos de quem se diz
cristão mas não levanta um dedo para ajudar o próximo – não concordo com
todas as suas conclusões missionais, mas são pessoas de um sentimento
cristão real e precisam ser ouvidas. Já os reformados estão de vento em
popa: há um ressurgimento vigoroso desse campo vital de interpretação
bíblica, que vejo com bons olhos. Os mais jovens, em geral, andam muito
bélicos e parecem ter mais interesse em ter razão do que em realmente
promover paixão por Deus. Há muitos outros campos e, se começar a
enumerar a todos, vou deixar de dizer o principal.
Além de sugerir rumos e soluções, muitos tecem comentários sobre
outros campos da Igreja ou levantam críticas contra líderes e contra
movimentos. Não nego que tenho feito exatamente isto. No meu livro O Fim de Uma Era mostro
muito daquilo que está destruindo a Igreja e a levando a uma falência
institucional como existe hoje – muito embora saibamos que a Igreja
nunca acabará. Mas é certo que passará, em breve, por mudanças
cataclísmicas e calamitosas. Haverá um remanescente fiel, como sempre
há. Mas a parcela majoritária da Igreja como a conhecemos não tem como
sustentar seu ritmo e sua metodologia por muito tempo.
Como sou um dos analistas dos tempos e dos movimentos da Igreja e
exponho minha visão neste gigantesco fórum aberto que é a Internet,
naturalmente essa visibilidade me torna passível de receber a minha
parcela de críticas. Isso não me incomoda, em absoluto. Quero que as
ideias sejam debatidas. Como pedras que se afiam, temos de deixar que
nossas percepções batam de frente, desde que a discussão seja franca,
bíblica e informada. Claro que – como há muitos que não sabem argumentar
de forma civilizada e, por que não dizer, cristã – recebo respostas que
me atacam pessoalmente. É um golpe baixo, vindo de quem não tem noção
sobre como se conduzir no diálogo.
Fé é inegociável e mexe profundamente conosco. Só que,
frequentemente, confundimos o negociável com o inegociável. E, quando
isso acontece, achamos que, por uma pessoa criticar o que um líder faz, o
estamos desmerecendo por completo. Só que isso nem sempre é verdade.
Criticar o que alguém faz não é desqualificá-lo, é simplesmente apontar o
seu erro.
Por que digo isso? Pois uma das respostas mais frequentes de quem não
tem argumentos para refutar uma crítica a algum líder que admira é:
“Não levantareis a mão contra o ungido do Senhor”. Aparentemente, faz
sentido bíblico. Mas na realidade, não faz: é uma má aplicação
hermenêutica. E é uma resposta que desvia o foco completamente do
assunto em pauta. Essa é uma resposta definitiva para quem acredita que
esse argumento blinda todo e qualquer sacerdote de toda e qualquer
crítica. Só que seu propósito é desqualificar o direito de crítica. Ou
seja: por essa argumentação, devemos nos calar perante os “ungidos”,
independentemente do que fazem ou dizem. São intocáveis. Só que a
verdade inquestionável é que alguns dos “ungidos” dizem absurdos e tomam
atitudes que os desqualificam como servos de Deus.
O argumento “não levantareis a mão contra o ungido do Senhor” acha
sua origem no primeiro livro de Samuel. Davi estava jurado de morte por
Saul. Mesmo assim, ele se recusou a levantar a mão contra o seu rei, que
tinha sido ungido pelo profeta Samuel. Por isso, limitou-se a fugir.
Mesmo quando teve a oportunidade de matar seu opressor ele não o fez,
por respeito à unção de Deus sobre a vida dele. A grande questão é que
essa passagem não pode ser usada como desculpa para deixar qualquer
“servo” fazer e dizer o que bem entende sem que isso seja criticado. E
provo na Bíblia.
Paulo
deixa claro que há líderes que nem crentes são (Fp 3.2). São o que ele
chama de “cães”. João se referiu a eles como “anticristos” – líderes que
fazem mal à própria Igreja, levantando-se como inimigos da fé
verdadeira (1 Jo 2.18). O apóstolo Paulo diz em Gálatas 2.11 que
enfrentou Pedro, porque sua atitude era condenável. Atos 15.39 mostra
que Paulo e Barnabé tiveram um desentendimento “tão sério” que se
separaram. Esses são precedentes bíblicos para a crítica clara e
objetiva a atos e palavras dos que lideram na Igreja. Portanto, não há
como desqualificar quem quer que seja só porque levanta observações
legítimas sobre aspectos condenáveis ligados a líderes eclesiásticos.
Não se trata de “levantar a mão contra o ungido do Senhor”. Isso se
refere a Davi e a sua atitude de não se defender pessoalmente por meio
de um assassinato. Fazer uma aplicação no Novo Testamento dessa atitude
Davídica é um erro teológico elementar.
Consequentemente, o argumento não procede.
Líderes não são intocáveis. São merecedores de respeito,
naturalmente, mas não estão acima de críticas. O apóstolo Paulo diz que
merecem honra dobrada e até salário dobrado. Mas jamais, no Novo
Testamento, são apresentados como intocáveis, muito menos
inquestionáveis. Por isso, continuemos, sem nenhum receio, a debater,
analisar e até mesmo denunciar quando um líder abusa de seu chamado em
Cristo.
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