No estado laico, a religião na política não nos representa
>> sexta-feira, 12 de abril de 2013
Marcelo Semer
No afã de
defender Marco Feliciano das críticas recebidas por amplos setores da
sociedade, o blogueiro de Veja, Reinaldo Azevedo, disse que era puro
preconceito o fato de ele ser constantemente chamado de pastor.
Infelizmente não é.
Pastor Marco Feliciano é o nome regimental do deputado, como está inscrito na Câmara e com o qual disputou as últimas eleições.
Há vários casos
de candidatos que acrescentam a sua profissão como forma de maior
identificação com o eleitorado, como o Professor Luizinho ou ainda a
Juíza Denise Frossard.
Marco Feliciano
não está na mesma situação –sua evocação é um claro chamado para o
ingresso da religião na política, que arrepia a quem quer que ainda
guarde a esperança de manter intacta a noção de estado laico.
A religião pode até ser um veículo para a celebração do bem comum, mas seu espaço é nitidamente diverso.
Na democracia, o
bem comum é uma construção coletiva e, por natureza, includente. Quanto
mais pessoas fazem parte da decisão, mais ela se legitima.
A religião é, por si só, excludente, e seus dogmas sobre o bem e o mal não estão sob escrutínio popular.
Suas ‘verdades
absolutas’ não fazem parte do ambiente de negociação, próprio da
atividade política. Esta busca, ainda, se amoldar à vontade social e não
apenas forjá-la, como regras rígidas de um credo.
A definição da
moral e a punição a quem dela se desvia, que pode ser até inerente ao
religioso, quando consagrado à virtude, não tem espaço na vida
republicana. Regrar os demais por uma concepção própria de vida não
passa de um abuso de direito.
A religião na
política acaba por estimular não apenas o preconceito (pela dificuldade
de aceitar diferenças), como o ódio decorrente de sua demonstração
pública –do que o crescimento da violência homofóbica é claro indício.
Se as leis de
um Estado devem valer ao conjunto de seus cidadãos, as religiosas só
alcançam aqueles que se entregam a fé. A catequese imposta, mesmo que
por vias indiretas, como a de impingir a todos a crença de apenas
alguns, é própria de estados teológicos.
Alimentado,
todavia, por interesses partidários, dos mais variados matizes e
ideologias, lobbies religiosos estão ganhando trânsito no governo e
também na oposição, seduzidos uns e outros pelo volume de potenciais
eleitores e pela enorme penetração nos meios de comunicação de massa.
O futuro nos espera, assim, em uma esquina sombria.
O caso
Feliciano pode ser maior do que a questão religiosa, mas resumi-lo ao
folclore de suas desastradas declarações, desprezando os riscos desta
vinculação, seria uma tremenda imprudência.
É certo que o episódio vem desgastando os partidos, que relegaram a comissão de direitos humanos a um terceiro escalão.
Mas, ao mesmo
tempo, também revelou uma sociedade mais madura, tolerante e engajada.
Que reagiu às vezes com ira, às vezes com graça, mas quase uníssona em
um daqueles momentos de defesa da liberdade que costumam deixar marcas.
No cálculo
eleitoral, no entanto, analistas já preveem que o deputado deve ter mais
votos no próximo pleito, e que todo esse desgaste, enfim, terá valido a
pena para ele.
Pode ser até o
mesmo cálculo que outros tantos famosos, como personagens do escândalo,
colunistas do insulto ou humoristas da ofensa, costumam fazer quando
investem pesado em uma grande polêmica.
Afinal de
contas, já faz tempo que aquela regra cínica da política “falem mal, mas
falem de mim”, foi transformada na máxima das celebridades em busca de
atenção: “falo mal para que falem de mim”.
Marcelo
Semer é juiz de direito em SP e escritor. Ex-presidente da Associação
Juízes para a Democracia. Autor do romance Certas Canções (7 Letras).
Responsável pelo Blog Sem Juízo
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