"NÃO TOQUE NO UNGIDO DO SENHOR" debate teológico: Rev. Augustus Nicodemus X Cantora Damares.
>> terça-feira, 16 de abril de 2013
Augustus Nicodemus Lopes
Há várias passagens na Bíblia onde aparecem expressões iguais ou semelhantes a estas do título desta postagem:
A ninguém
permitiu que os oprimisse; antes, por amor deles, repreendeu a reis,
dizendo: Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas
(1Cr 16:21-22; cf. Sl 105:15).
Todavia, a
passagem mais conhecida é aquela em que Davi, sendo pressionado pelos
seus homens para aproveitar a oportunidade de matar Saul na caverna,
respondeu: "O Senhor me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor,
isto é, que eu estenda a mão contra ele [Saul], pois é o ungido do
Senhor" (1Sm 24:6).
Noutra ocasião,
Davi impediu com o mesmo argumento que Abisai, seu homem de confiança,
matasse Saul, que dormia tranquilamente ao relento: "Não o mates, pois
quem haverá que estenda a mão contra o ungido do Senhor e fique
inocente?" (1Sm 26:9).
Davi de tal
forma respeitava Saul, como ungido do Senhor, que não perdoou o homem
que o matou: “Como não temeste estender a mão para matares o ungido do
Senhor?” (2Sm 1:14).
Esta relutância
de Davi em matar Saul por ser ele o ungido do Senhor tem sido
interpretado por muitos evangélicos como um princípio bíblico referente
aos pastores e líderes a ser observado em nossos dias, nas igrejas
cristãs. Para eles, uma vez que os pastores, bispos e apóstolos são os
ungidos do Senhor, não se pode levantar a mão contra eles, isto é, não
se pode acusa-los, contraditá-los, questioná-los, criticá-los e muito
menos mover-se qualquer ação contrária a eles. A unção do Senhor
funcionaria como uma espécie de proteção e imunidade dada por Deus aos
seus ungidos. Ir contra eles seria ir contra o próprio Deus.
Mas, será que é isto mesmo que a Bíblia ensina?
A expressão
“ungido do Senhor” usada na Bíblia em referência aos reis de Israel se
deve ao fato de que os mesmos eram oficialmente escolhidos e designados
por Deus para ocupar o cargo mediante a unção feita por um juiz ou
profeta. Na ocasião, era derramado óleo sobre sua cabeça para separá-lo
para o cargo. Foi o que Samuel fez com Saul (1Sam 10:1) e depois com
Davi (1Sam 16:13).
A razão pela
qual Davi não queria matar Saul era porque reconhecia que ele, mesmo de
forma indigna, ocupava um cargo designado por Deus. Davi não queria ser
culpado de matar aquele que havia recebido a unção real.
Mas, o que não
se pode ignorar é que este respeito pela vida do rei não impediu Davi de
confrontar Saul e acusá-lo de injustiça e perversidade em persegui-lo
sem causa (1Sam 24:15). Davi não iria matá-lo, mas invocou a Deus como
juiz contra Saul, diante de todo o exército de Israel, e pediu
abertamente a Deus que castigasse Saul, vingando a ele, Davi (1Sam
24:12). Davi também dizia a seus aliados que a hora de Saul estava por
chegar, quando o próprio Deus haveria de matá-lo por seus pecados (1Sam
26:9-10).
O Salmo 18 é
atribuído a Davi, que o teria composto “no dia em que o Senhor o livrou
de todos os seus inimigos e das mãos de Saul”. Não podemos ter plena
certeza da veracidade deste cabeçalho, mas existe a grande possibilidade
de que reflita o exato momento histórico em que foi composto. Sendo
assim, o que vemos é Davi compondo um salmo de gratidão a Deus por tê-lo
livrado do “homem violento” (Sl 18:48), por ter tomado vingança dos que
o perseguiam (Sl 18:47).
Em resumo, Davi
não queria ser aquele que haveria de matar o ímpio rei Saul pelo fato
do mesmo ter sido ungido com óleo pelo profeta Samuel para ser rei de
Israel. Isto, todavia, não impediu Davi de enfrentá-lo, confrontá-lo,
invocar o juízo e a vingança de Deus contra ele, e entregá-lo nas mãos
do Senhor para que ao seu tempo o castigasse devidamente por seus
pecados.
O que não
entendo é como, então, alguém pode tomar a história de Davi se recusando
a matar Saul, por ser o ungido do Senhor, como base para este estranho
conceito de que não se pode questionar, confrontar, contraditar,
discordar e mesmo enfrentar com firmeza pessoas que ocupam posição de
autoridade nas igrejas quando os mesmos se tornam repreensíveis na
doutrina e na prática.
Não há dúvida
que nossos líderes espirituais merecem todo nosso respeito e confiança, e
que devemos acatar a autoridade deles – enquanto, é claro, eles
estiverem submissos à Palavra de Deus, pregando a verdade e andando de
maneira digna, honesta e verdadeira. Quando se tornam repreensíveis,
devem ser corrigidos e admoestados. Paulo orienta Timóteo da seguinte
maneira, no caso de presbíteros (bispos/pastores) que errarem:
"Não aceites
denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de
duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os
na presença de todos, para que também os demais temam" (1Tim 5:19-20).
Os “que vivem
no pecado”, pelo contexto, é uma referência aos presbíteros mencionados
no versículo anterior. Os mesmos devem ser repreendidos publicamente.
Mas, o que
impressiona mesmo é a seguinte constatação. Nunca os apóstolos de Jesus
Cristo apelaram para a “imunidade da unção” quando foram acusados,
perseguidos e vilipendiados pelos próprios crentes. O melhor exemplo é o
do próprio apóstolo Paulo, ungido por Deus para ser apóstolo dos
gentios. Quantos sofrimentos ele não passou às mãos dos crentes da
igreja de Corinto, seus próprios filhos na fé! Reproduzo apenas uma
passagem de sua primeira carta a eles, onde ele revela toda a ironia,
veneno, maldade e sarcasmo com que os coríntios o tratavam:
"Já estais
fartos, já estais ricos; chegastes a reinar sem nós; sim, tomara
reinásseis para que também nós viéssemos a reinar convosco.
Porque a mim me
parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se
fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo,
tanto a anjos, como a homens.
Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós, desprezíveis.
Até à presente
hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos
morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos.
Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos;
quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a
ser considerados lixo do mundo, escória de todos.
Não vos escrevo
estas coisas para vos envergonhar; pelo contrário, para vos admoestar
como a filhos meus amados. Porque, ainda que tivésseis milhares de
preceptores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo
evangelho, vos gerei em Cristo Jesus. Admoesto-vos, portanto, a que
sejais meus imitadores" (1Cor 4:8-17).
Por que é que
eu não encontro nesta queixa de Paulo a repreensão, “como vocês ousam se
levantar contra o ungido do Senhor?” Homens de Deus, os verdadeiros
ungidos por Ele para o trabalho pastoral, não respondem às
discordâncias, críticas e questionamentos calando a boca das ovelhas com
“não me toque que sou ungido do Senhor,” mas com trabalho, argumentos,
verdade e sinceridade.
“Não toque no ungido do Senhor” é apelação de quem não tem nem argumento e nem exemplo para dar como resposta.
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