A medida com que Deus nos medirá
>> sexta-feira, 19 de abril de 2013
Por Maurício Zágari
“Eles são muito perdoadores, perdoam com muita facilidade“.
Essa frase é a última de um documentário a que assisti recentemente e
que ficou ecoando em meus pensamentos por um longo tempo. O filme
chama-se “Project Nim” e conta a história de um bebê chamado Nim,
incapaz de falar, e que, com duas semanas de vida, foi entregue a uma
família adotiva. Lá teve todo o carinho e, ensinado por professores,
aprendeu a linguagem de sinais. Assim, passou a se comunicar. Com o
tempo, Nim foi crescendo e se tornou agressivo, a ponto de ter de ser
removido dessa casa e levado para uma instituição onde desenvolveu
fortes laços afetivos com seus tutores/professores. Acabaram se tornando
também grandes companheiros. Seu melhor amigo era um deles, um jovem
hippie chamado Bob. Anos depois, a instituição em que Bob trabalhava e
convivia com seu companheiro sofreu problemas financeiros, Nim teve de
se mudar para outra instituição e lá viveu sem amigos, isolado, sem ter
ninguém que conhecesse a linguagem de sinais, abandonado, solitário e
triste. Tornou-se amargo. Não tinha com quem se comunicar. Dez anos
depois, Bob decidiu visitá-lo. Sem esboçar nenhum rancor pela década de
abandono e todo o sofrimento, Nim brincou com o amigo, bebeu
refrigerante com ele e conversou na linguagem dos surdos. Foi nesse
momento que Bob falou a frase que inicia este artigo.
“Eles são muito perdoadores, perdoam com muita facilidade“.
Em princípio, ao ler isso, eu poderia pensar que “eles” se refere a nós,
cristãos. Afinal, somos o tipo de gente de quem mais se espera uma
atitude perdoadora. Foi o que Jesus ensinou – mais do que isso, mandou.
Há mais de 240 passagens só no Novo Testamento que falam sobre o tema
(creia, eu pesquisei). A oração do Pai Nosso diz que devemos pedir ao
Senhor que só nos perdoe na mesma medida em que perdoamos os nossos
devedores (Mt 6.12). A Bíblia afirma que Jesus veio para o perdão dos
pecados (Mc 2.17; Hb 1.3; 9.27,28; 10,12; Mt 1.21; Lc 19.11; 24.46,47) e
que Ele é o Cordeiro sacrificado pelo perdão de muitos (Mt 26.28). Que
devemos nos perdoar mutuamente, assim como Deus nos perdoou (Ef
4.30-32). Que quem não perdoa não será perdoado (Mt 18.35). Isso, aliás,
é muito sério. Leia atentamente:
“E quando estiverem orando, se tiverem
alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial
lhes perdoe os seus pecados. Mas se vocês não perdoarem, também o seu
Pai que está no céu não perdoará os seus pecados.” (Mc 11.25,26)
Por tudo isso, o povo que se chama cristão, entre todos os grupos
humanos, é quem mais deveria perdoar e de quem mais se espera essa
atitude. Então é natural que se pensasse que Bob estava se referindo aos
cristãos. Mas não. Bob estava se referindo a pessoas como Nim. Só que
Nim não era uma pessoa. Era um chimpanzé.
O emocionante documentário mostra a vida desse primata que, em seus
26 anos de vida, foi transferido para diferentes lugares, viu
praticamente todas as pessoas com quem desenvolveu vínculos afetivos
sumirem de sua vida, chegou a ficar trancafiado por meses num
laboratório onde se realizam testes em animais para o desenvolvimento de
vacinas. De uma família com sete filhos, onde cresceu usando roupas humanas, brincando e cercado de afeto, Nim (foto)
viveu ladeira abaixo, cada vez mais sem carinho, isolado, amargurado.
Acabou só, numa jaula, sem ter com quem se comunicar. Mas, quando viu
Bob, seu antigo companheiro que o havia deixado abandonado ali, à
própria sorte, por dez anos, não revidou, não se vingou, não agrediu,
não demonstrou rancor. Pelo contrário, foi amável, quis brincar, deu seu
amor de graça. E Bob termina dizendo que chimpanzés são seres altamente
perdoadores, que estendem perdão com uma enorme facilidade.
Confesso que senti vergonha da minha raça. Pois a raça humana – e
falo de mim – tem uma capacidade monstruosa de não perdoar. Somos
vingativos, rancorosos, maldosos, se alguém te arranca um olho você quer
os dois dele. Queremos sangue! Perdoar para nós parece ser uma
fraqueza. Só que ao agirmos assim simplesmente estamos sendo bem pouco
cristãos.
Pensando bem, deixe-me refazer a frase: ao agirmos assim simplesmente não estamos sendo cristãos.
Dois dias antes de ver “Project Nim” tive o desprazer de assistir ao
programa “Tabu”, no canal National Geographic, sobre bruxaria. Mostrava
diversos bruxos, de diferentes linhas, e suas práticas. Impressionou-me
em especial o caso de Rosa, uma colombiana que perdeu o homem que amava
para outra mulher. Sua decisão diante dessa situação
foi procurar um sacerdote de magia negra para destruir a vida da rival.
Ela foi explícita em suas entrevistas, em que dizia que não ficaria
feliz enquanto não visse a outra na pior. “Não vou sair por baixo,
enquanto não acabar com ela não vou descansar”, afirmou. A equipe do
programa teve autorização de filmar o ritual. Fiquei estarrecido.
Enquanto criava no centro de um pentagrama com a ajuda do bruxo uma
boneca (foto) que simbolizava a pobre mulher, cravava-lhe
dezenas de alfinetes, a punha num caixão e jogava terra de cemitério e
sangue de um cadáver em cima, Rosa pronunciava montes de maldições
contra a vida da mulher, literalmente pedindo à “Santa Morte” que
destruísse a vida dela. Em seus olhos via-se o prazer de fazer o mal a
outro ser humano. Ao final, ela demonstrava nítida satisfação pelo que
fizera. Chegou a comemorar. Agora sim podia dormir em paz: tinha
praticado a mais diabólica vingança.
Não tive como não refletir profundamente após assistir a esses dois
documentários. De um lado estava Nim, o chimpanzé extremamente
perdoador. Do outro, Rosa, o ser humano que tudo o que queria era
se vingar. Fiquei me perguntando se admirava mais o macaco ou aquela
criatura feita à imagem e semelhança de Deus. Tive de reconhecer que foi
o animal quem ganhou meu respeito.
O que está acontecendo com a humanidade? Por que estamos assim? Onde
está o exemplo dos cristãos no que tange ao perdão, algo basilar dentro
de nossa fé e tão ausente da nossa prática? Será que estamos tão
envolvidos com práticas de culto e ativismo eclesiástico que esquecemos
da essência do Evangelho? Louvamos, levantamos as mãos, damos a paz do
Senhor com nossa melhor cara de santo mas da porta da igreja para fora
somos impiedosos e malignos? Será que entendemos direito o Evangelho?
Sugiro que você leia atentamente as duas passagens bíblicas que
reproduzo a seguir. Pois, de tanto ler o mesmo trecho das Escrituras,
muitas vezes as palavras passam despercebidas por nossos olhos e não
ganham consequência em nossa vida. Isso é normal, acontece com todos
nós. Mas em se tratando das Escrituras, temos de aprender a transformar o
texto em vida. Então faço uma proposta: tente ler devagar, frase a
frase, captando o sentido do que é dito com atenção, como se fosse a
primeira vez que as estivesse lendo:
Em Lucas 6.27-38, lemos palavras dos lábios de Jesus de Nazaré:
“Mas eu digo a vocês que estão me
ouvindo: Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem
os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam. Se alguém lhe
bater numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém lhe tirar a capa,
não o impeça de tirar-lhe a túnica. Dê a todo o que lhe pedir, e se
alguém tirar o que pertence a você, não lhe exija que o devolva. Como
vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles.
Que mérito vocês terão, se amarem aos
que os amam? Até os ‘pecadores’ amam aos que os amam. E que mérito
terão, se fizerem o bem àqueles que são bons para com vocês? Até os
‘pecadores’ agem assim. (… )
Sejam misericordiosos, assim como o Pai
de vocês é misericordioso. Não julguem, e vocês não serão julgados. Não
condenem, e não serão condenados. Perdoem, e serão perdoados. Dêem, e
lhes será dado: uma boa medida, calcada, sacudida e transbordante será
dada a vocês. Pois a medida que usarem, também será usada para medir vocês“.
Nos últimos meses decidi reler o Novo Testamento, desta vez na Nova
Versão Internacional. E confesso que, ao ler essa última frase, fiquei
abalado. Pois tive uma compreensão inédita sobre ela que me atravessou
como uma corrente de alta voltagem: no dia em que estivermos face a face
com o Criador, seremos tratados por Ele da exata mesma forma com que
tratamos o próximo. No contexto, isso fala de quanta misericórdia
usamos, de como julgamos, se condenamos ou se perdoamos. É nada menos do
que o “…e ao próximo como a mim mesmo”. Li, meditei e vi o quão distante estou do ideal de Cristo. E você?
Outra passagem que reforça essa e que tenho lido diariamente para
tentar me lembrar sempre e viver conforme ela ensina é Romanos 12.14-21:
“Abençoem aqueles que os perseguem;
abençoem, e não os amaldiçoem. Alegrem-se com os que se alegram; chorem
com os que choram. Tenham uma mesma atitude uns para com os outros. (…)
Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois
está escrito: “Minha é a vingança; eu retribuirei”, diz o Senhor. Pelo
contrário: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede,
dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a
cabeça dele”. Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o
bem.”
Retribuir o mal com o bem: essa é a vontade do Senhor para mim e para
você. E esse é o termômetro que será usado no grande e terrível dia em
que estaremos diante do trono do Altíssimo e teremos de prestar contas
de tudo o que fizemos e dissemos. E, enquanto nos resta tempo, temos de
decidir se vamos agir como chimpanzés ou como seres humanos.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
Maurício
Fonte: Apenas
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