Os últimos samaritanos
>> sexta-feira, 5 de abril de 2013
E não é que de vez em quando a Folha de S. Paulo faz jornalismo de verdade, investigando seriamente e trazendo matérias interessantes e bem escritas?
A reportagem foi publicada ontem, 31/03/13. Ainda há esperança (para a Folha, talvez para os samaritanos):
Samaritanos lutam para não desaparecer
DIOGO BERCITO
ENVIADO ESPECIAL A KIRYAT LUZA (CISJORDÂNIA)
No
começo do século 20, eles tiveram seu desaparecimento anunciado. Não
havia, à época, mais de uma centena de samaritanos no mundo.
Após enganar o monstro da demografia, que os queria devorar, hoje eles são mais de 750, em duas cidadelas.
Mas
esses que se dizem os verdadeiros israelitas bíblicos não baixam a
guarda --a praga demográfica ainda os persegue, agora com a escassez de
mulheres entre eles. A questão é agravada pela proibição ao casamento
com seguidores de outros credos.
Com
isso em mente, os anciões da comunidade passaram a permitir que os
homens tragam mulheres de fora do povoado e da religião para
convertê-las e assim estimular a natalidade.
Eles
escolheram, via agências de matrimônio, em geral russas e ucranianas
--que já caminham nas ruas levando os filhos pelas mãos, conforme a
Folha testemunhou.
Pouco
receptivos a estrangeiros, porém, alguns membros das sete famílias que
moram em Kiryat Luza, uma das duas vilas samaritanas, dizem à reportagem
não estar à vontade com a solução.
"Eu nunca me casaria com uma estrangeira", diz Breeto Cohen, 20. "Quando você faz isso, sai da religião", afirma.
As
mulheres procuradas pela reportagem não quiseram ser entrevistadas. Uma
delas, que disse se chamar Nataly, mora na casa do alto sacerdote do
vilarejo.
"Muitos
não gostam [da solução]", diz Abdullah, jovem muçulmano que trabalha
como guia no museu de Kiryat Luza, onde moram 350 dos samaritanos. Os
demais moram em Holon, perto de Tel Aviv. "Eles preferem as mulheres
samaritanas."
O
universitário Rida Altif, que reclama da dificuldade de encontrar uma
namorada e da competição com os amigos, está aberto à opção. "Somos
humanos. Eu me casaria com uma estrangeira."
Mas a alternativa tem uma condição, diz Dan Hakam, 16. "Elas têm de seguir as tradições como a gente."
MONTE SAGRADO
Kiryat Luza ocupa o topo do monte Gerizim, um cume seco despontando entre vilarejos árabes.
A
vista é estratégica --embaixo, a cidade palestina de Nablus se
esparrama no vale. Táxis fazem o caminho monte acima por R$ 7. Para
descer, o preço é R$ 1,50.
Durante
o dia, as ruas estão vazias. Um parquinho enferruja, abandonado. Há
dois mercadinhos e uma tenda para bebidas alcoólicas --para suportar o
vento gelado, dizem.
É para essa montanha que todos os samaritanos rumam em dias festivos. A religião pede que ritos sejam realizados apenas ali.
Gerizim
é uma das principais divergências desse grupo em relação aos judeus.
Para os samaritanos, foi no monte Gerizim que Abraão se prontificou a
sacrificar seu filho Isaac. "Os judeus acreditam em Jerusalém", afirma
Hakam. "Mas nós acreditamos nesta montanha."
A
separação entre samaritanismo e judaísmo ocorreu no primeiro milênio
antes de Cristo, quando judeus foram exilados em massa na Babilônia.
A
religião que eles trouxeram de volta, dizem os samaritanos, foi
corrompida durante o tempo de cativeiro, e não corresponde às crenças
israelitas.
"Eles
se referem a si mesmos como o 'verdadeiro Israel'", diz Terry Giles,
teólogo da Universidade Gannon, nos EUA, que pesquisa a Bíblia
samaritana. "Eles dizem preservar a religião", afirma.
Há
afinidades entre as crenças de samaritanos, judeus, cristãos e
muçulmanos --são todas religiões ditas "abraâmicas". Mas, isolados entre
povos em conflito, os samaritanos tentam se manter distantes dos irmãos
de fé.
"Os árabes pensam que somos judeus", afirma Cohen. "Eles nos agridem."
"Eles
não são gentis", diz o motorista palestino que leva a reportagem de
volta à cidade de Nablus --onde nem todos contam boas histórias sobre a
vila samaritana, montanha acima. Mas a rivalidade entre os dois locais
ignora as pesquisas genéticas e os estudos genealógicos que apontam que a
população palestina de Nablus descende em parte de samaritanos
convertidos durante o Império Otomano.
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