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Hinduísmo: Sua doutrina, vida religiosa e teologia

>> quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Por Carlos Chagas

Atenção: Este artigo é uma trascrição literal de um trecho do livro chamado "O livro das Religiões" de Gaarder, Notaker e Hellern exceto pelas figuras. Os méritos são dos autores.

O que é Hinduísmo?


Diferentemente das outras religiões mundiais (budismo, cristianismo e islã), o hinduísmo não tem fundador, nem credo fixo nem organização de espécie alguma. Projeta-se como a "religião eterna" e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela capacidade excepcional que vem demonstrando através da história de abranger novos modos de pensamento e expressão religiosa.

A palavra hinduísta significa simplesmente "indiano" (da mesma raiz do rio Indo), e talvez a melhor maneira de definir o hinduísmo seja dizer que é o nome das várias formas de religião que se desenvolveram na Índia depois que os indo-europeus abriram caminho para a Índia do Norte, de 3 a 4 mil anos atrás. O cristianismo e o judaísmo também têm uma história que se estende por milhares de anos, mas o peculiar no hinduísmo é que todos os seus estágios históricos são visíveis simultaneamente. Apesar de sua complexidade, ainda se pode experimentar o hinduísmo como um todo. Assim, ele já foi comparado a uma floresta tropical, onde várias camadas de animais e de plantas se desenvolvem num grande meio ambiente.

A religião védica

As raízes do hinduísmo podem ser encontradas em algum ponto entre o ano 1500 a.C. e o ano 200 a.C., quando os chamados arianos (isto é, os "nobres") começaram a subjugar o vale do Indo. As crenças dessas pessoas tinham ligação com outras religiões indo-européias, como a grega, a romana e a germânica. Sabemos disso pelos chamados hinos védicos (da palavra Veda, ou seja, "conhecimento"), que eram recitados por sacerdotes durante os sacrifícios a seus muitos deuses. O Livro dos Vedas consiste em quatro coletâneas, das quais certas partes datam de cerca de 1500 a.C.
O sacrifício era importante para o culto ariano. Faziam-se oferendas aos deuses a fim de conquistar seus favores e manter sob controle as forças do caos.

Achados arqueológicos no vale do Indo indicam que houve uma civilização avançada na Índia,anterior à chegada dos indo-europeus, e é certo que essa civilização também contribuiu para o hinduísmo moderno. A época conhecida como período védico tardio, de 1000 a.C. até 500 a.C., marcou uma virada crucial no desenvolvimento religioso da Índia. Importância especial tiveram os Upanishads, que até hoje são os textos hinduístas mais lidos. Foram escritos sob a forma de conversas entre mestre e discípulo, e introduzem a noção de Brahman, a força espiritual essencial em que se baseia todo o universo. Todos os seres vivos nascem do Brahman, vivem no Brahman e ao morrer retornam ao Brahman.

As castas, as vacas e o carma

O hinduísmo moderno compreende uma grande variedade de idéias e formas de culto. Será que os hinduístas têm alguma coisa em comum? Sim. Uma boa definição seria: as castas, as vacas e o carma.

  • O sistema de castas
Todas as sociedades têm várias formas de distinção e estratificação em classes, mas é difícil encontrar um país onde isso tenha sido praticado tão sistematicamente quanto na Índia. Desde os tempos antigos sempre houve quatro classes sociais (a palavra sânscrita empregada évarna, que significa "cor"):

* Sacerdotes (brâmanes);
* Guerreiros;
* Agricultores, comerciantes e artesãos, e
* Servos.

Porém, à medida que a sociedade indiana se desenvolveu, as pessoas foram sendo divididas em novas
castas. No início do século XX havia em torno de 3 mil castas.

Não se sabe como surgiu o sistema de castas, e não há prova definitiva de que se trata de uma evolução do sistema de quatro classes. Seria mais verdadeiro dizer que esse sistema de classes se ajusta bem às castas.

A palavra inglesa caste vem do português casta (feminino de casto, "puro"); o termo usado na Índia é jati, que significa "nascimento" ou "tipo". As castas em geral se associam a profissões especiais. Uma aldeia indiana pode conter de vinte a trinta dessas castas, e com freqüência cada uma ocupa um agrupamento especial de casas. Cada casta tem suas próprias regras de conduta e de prática religiosa, que determinam com quem a pessoa pode se casar, o que ela pode comer, com quem pode se associar e que tipo de trabalho pode realizar. A base religiosa desse sistema é a noção de pureza e impureza. O contraste entre o que é "limpo" e o que é "impuro" permeia todo o hinduísmo. Para um brâmane, tudo o que tenha a ver com as coisas corporais ou materiais é impuro. Se ele se tornou impuro como resultado do nascimento, da morte ou do sexo - ou por meio do contato com um indivíduo "sem casta", ou membro de uma casta inferior -, há diversas maneiras pelas quais ele pode se purificar. O método tradicional mais conhecido de purificação utiliza a água de um dos muitos rios sagrados da Índia, como o Ganges.

As regras que governam a pureza formam a base da divisão de trabalho na comunidade. Certas atividades e certos trabalhos são tão impuros que somente determinadas castas podem realizá-los. Essas castas têm o dever de ajudar os outros grupos a manter sua pureza. Por outro lado, apenas as castas que preencham os requisitos da pureza podem se aproximar dos deuses mais elevados. Para que isso ocorra com mais facilidade, outras pessoas devem ser impuras. Entretanto, todos se beneficiam da limpeza dos "puros", pois todos os hinduístas tiram proveito dos ritos que são praticados.

O sistema de castas deu um contexto à vida do indiano, assim como fez a tribo para o africano. Ser expulso de sua casta é o pior castigo imaginável, e só é usado para os crimes particularmente sérios. O nível mais baixo no sistema de castas é o dos "intocáveis" ou "sem casta" (também chamados "párias"); por exemplo, os criminosos, os lixeiros e os que trabalham curtindo o couro dos animais. Os cristãos e os muçulmanos ficam totalmente fora do sistema de castas.

As complexas regras que controlam o contato social entre as castas eram muito rígidas; mas a Constituição indiana, que entrou em vigor em 1947, introduziu certas medidas para banir a discriminação por casta. Como não basta mudar a legislação para acabar com antigas divisões sociais e religiosas, o sistema de castas continua tendo um papel importante, em especial nas aldeias.
  • A vaca sagrada
A vaca é um animal sagrado na Índia e é adorada durante certas festas religiosas. Isso provavelmente se relaciona com um antigo culto de fertilidade; nos Vedas há hinos à vaca, pois ela supre tudo o que é necessário para sustentar a vida. A vaca se tornou um símbolo da vida, e não é permitido matá-la. Muitos ocidentais têm uma visão bastante negativa desse fato. Segundo eles, as vacas deveriam ser mortas para fornecer alimento à legião de famintos da Índia. Entretanto, considerando o lugar que a vaca ocupa na agricultura indiana, vemos também aspectos positivos: 70% da população vive do cultivo da terra, e há uma grande falta de animais de tração num país em que o trator é pouco difundido. Além disso, o excremento das vacas é útil não só como fertilizante mas também como combustível.

Em termos de culto, a vaca é mais "pura" do que o brâmane. Assim, a pessoa que toca uma vaca está ritualmente limpa. Todos os produtos derivados da vaca - o leite e a manteiga - são utilizados em diversas cerimônias de purificação. Até mesmo o excremento e a urina da vaca são tão sagrados que podem ser usados como agentes de purificação.

Os hinduístas têm outros animais sagrados além da vaca, em especial o macaco, o crocodilo e a cobra. De modo geral, eles não gostam de tirar a vida. Isso transformou muitos hinduístas em vegetarianos e também abriu caminho para o ideal da não-violência, que ficou mais conhecido no Ocidente com a luta de Gandhi para tornar a Índia independente do colonialismo britânico.

  • Carma e reencarnação

Um conceito-chave na filosofia dos Upanishads é que o homem tem uma alma imortal. "Ela não envelhece quando você envelhece, ela não morre quando você morre."

Um hinduísta acredita que, depois da morte de um indivíduo, sua alma renasce numa nova criatura vivente. Pode renascer numa casta mais alta ou mais baixa, ou pode passar a habitar um animal.

Há uma ordem inexorável nesse ciclo que vai de uma existência a outra. O impulso por trás dela, ou que a mantém sempre em movimento, é o karma do homem, palavra sânscrita que significa "ato". Porém, nesse caso, ato se refere a pensamentos, palavras e sentimentos, não apenas a ações físicas.


A idéia de que todas as ações têm conseqüências - e de que essas conseqüências podem aparecer depois da morte - não é, de modo algum, peculiar ao hinduísmo. Aqui, a originalidade está no conceito de que todas as ações de uma vida, e somente elas, formam a base para a próxima. Assim, o carma não é uma punição pelas más ações ou uma recompensa pelas boas. O carma é uma constante impessoal - como uma lei natural.

O hinduísmo não reconhece nenhum "destino cego" nem divina providência. A responsabilidade pela vida do hinduísta no dia de hoje - e por sua próxima encarnação - será sempre dele. O homem colhe aquilo que semeou. Os resultados das ações - ou frutos de uma vida - derivam dessas ações automaticamente. Poderíamos dizer que a transmigração está sujeita à lei da causa e efeito.
Em outras palavras, o que a pessoa experimenta nesta vida em termos de riqueza ou pobreza, alegria ou tristeza, saúde ou doença, é resultado de suas ações numa vida anterior. É desse modo que os hinduístas explicam as diferenças entre as pessoas. A doutrina do carma dá sustentação a um esquema de relações sociais como o sistema de castas.

Embora a pessoa deva se submeter ao carma que herdou de uma vida anterior, ela também exerce o livre-arbítrio no âmbito de sua existência atual. Portanto, o indivíduo sempre pode melhorar seu carma, e assim lançar as fundações para uma vida melhor na próxima encarnação.

Três vias de salvação

Durante o período védico, a doutrina do carma e a da reencarnação eram vistas como algo positivo. Por meio dos sacrifícios e das boas ações, o indivíduo podia garantir que iria viver várias vidas. Mais tarde, o hinduísmo passou a considerar esse ciclo como algo negativo, como um círculo vicioso a ser quebrado.

O hinduísmo não possui uma doutrina clara e não ambígua sobre a salvação que explique de que modo o homem pode escapar do interminável e cansativo ciclo das reencarnações. Dentro do hinduísmo há uma grande quantidade de movimentos e seitas com visões divergentes.

Apesar disso, é possível distinguir três caminhos diferentes para a graça, que exerceram papel relevante na história da Índia - e continuam prevalecendo no hinduísmo moderno. São as Vias do sacrifício, do conhecimento e da devoção.

É importante não pensar que essas vias sejam movimentos religiosos organizados. Trata-se, na verdade, de três tendências principais dentro do hinduísmo. O caminho escolhido pode depender do indivíduo. Mas um hinduísta também pode se inspirar nessas três vias.

A via do sacrifício

Como já vimos, a palavra indiana para "ato" é karma. Hoje ela é usada para denotar todos os atos humanos - ou o resultado coletivo desses atos. No período védico, o termo se referia basicamente a atos religiosos ou rituais, em especial aos atos sacrificiais. Estes eram necessários para incrementar a fertilidade e manter a ordem universal. Esse antigo costume sacrificial, minuciosamente descrito nos Vedas, continua a desempenhar um papel capital no hinduísmo. Fazendo sacrifícios e boas ações, muitos hinduístas tentam obter a felicidade terrena, boa saúde, riqueza e copiosa descendência. Em última análise, o objetivo permanece o mesmo de outras correntes do hinduísmo: libertar-se do círculo vicioso da transmigração do espírito.

A via da compreensão ou do conhecimento


Segundo uma idéia central dos Upanishads, é a ignorância do homem que o amarra ao ciclo da reencarnação. Compreender a verdadeira natureza da existência - o oposto da ignorância - será, portanto, um caminho para a salvação. É apenas quando o homem adquire o reto conhecimento que ele é redimido da implacável roda da transmigração.

O conhecimento que traz a salvação é o de que a alma humana (atmã) e o mundo espiritual (Brahman) são uma coisa só. O atmã é uma parte integrante não só dos seres humanos, mas também se encontra nas plantas e nos animais. Isso é conhecido como panteísmo.

O Brahman é o princípio construtivo do universo, uma força que permeia tudo, uma divindade impessoal. Todas as almas individuais são reflexos dessa única alma universal. E como a lua, que se reflete em muitos lagos. Pode haver um número infinito desses reflexos, mas existe uma só lua.

O homem é libertado da transmigração ao adquirir plena compreensão da unidade entre atmã e Brahman. O objetivo é se dissolver no Brahman, assim como uma gota de chuva se dissolve no mar. O homem tem uma centelha divina em seu interior. E mesmo que ele seja obliterado como indivíduo, sua origem divina permanece e vai se unir novamente com o espírito universal.

A via da devoção


Uma terceira rota para a salvação, proposta que começou a se difundir no Sul da Índia por volta de 600 a.C. e logo se espalhou por todo o subcontinente, é a via da devoção. Já no século III a.C. esse caminho para a graça encontrara sua expressão clássica no Bhagavad Gita, um poema catequético. Essa terceira tendência do hinduísmo é a que predomina na Índia moderna, e o Bhagavad Gita é o livro sagrado que ocupa o lugar supremo na consciência do indiano médio. 

Todas as três vias de salvação se baseiam na doutrina do carma. A via do sacrifício realça o fato de que o homem pode encontrar a salvação agindo de maneira correta ritualmente. As tendências filosóficas com freqüência representam o ponto de vista oposto. Com a ajuda da ascese ou da contemplação, as pessoas procuram suprimir todo carma pessoal - a fim de abandonar o ciclo de uma vez por todas. Sem rejeitar esses caminhos tradicionais para a salvação, o Bhagavad Gita aponta um caminho melhor e mais fácil. Se um homem se dedica a Deus e age desinteressadamente , isto é, sem pensar em ganhos e vantagens, ele será, pela graça de Deus, libertado da transmigração.

O Bhagavad Gita abre o caminho para uma associação mais pessoal com Deus do que os Vedas ou os Upanishads. Ela se caracteriza pelo amor e a devoção (bhakti) do homem para com Deus, num relacionamento eu-tu. Isso não significa que o Bhagavad Gita rejeite o sacrifício ou o conhecimento religioso. Muito pelo contrário - tanto o "sacrifício material" como o "sacrifício da compreensão" são vistos sob uma luz positiva, pois a divindade que recebe o sacrifício é o mesmo Brahman do filósofo. Mas nem os sacrifícios nem os exercícios de ioga devem ser realizados com o intuito de se ganhar algo em troca, pois nem uma coisa nem outra, isoladamente, é capaz de alcançar qualquer resultado. Em última análise, é a misericórdia divina que salva uma pessoa do ciclo - e não seus próprios esforços. Portanto, o caminho mais seguro para a salvação é o bhakti, a devoção a Deus e a crença nele. Outro ponto importante é que todas as pessoas, independentemente de sexo ou casta, podem conseguir a graça se se devotarem a Deus.

Crença divina


A multiplicidade do hinduísmo também se manifesta em seu conceito de Deus. Em sua forma mais filosófica, o conceito hindu de divindade é panteísta. A divindade não é um ser pessoal, mas uma força, uma energia que permeia tudo: os objetos inanimados, as plantas, os animais e os homens. No extremo menos filosófico do espectro há um conceito politeísta, que acredita num grande número de deuses. Quase todas as aldeias têm a sua própria divindade local.



A adoração divina se concentra em dois deuses em particular, ambos com raízes védicas. Um deles é Vishnu. E um deus suave e amigável, normalmente representado como um lindo jovem. Sua maior importância no hinduísmo moderno deriva de seus "avatares" ou revelações, como Rama e Krishna. Especialmente popular é Krishna, adorado como o onipresente senhor do mundo. Costuma ser retratado como um pastor de ovelhas, e suas aventuras eróticas com as pastoras são interpretadas simbolicamente como o amor de Deus pelo homem. O relacionamento de Krishna com sua amada, Rhada, é explicado da mesma maneira. O amor entre os dois, sua separação e reconciliação são uma metáfora para o anseio que a alma sente por Deus e por sua união final com ele.

O outro deus com grande significado para o culto é Shiva. Ele é o deus da meditação e dos iogues, e em geral o retratam como um asceta. E igualmente um deus do desvario e do êxtase, tanto criador como destruidor, o que o torna ao mesmo tempo aterrorizante e atraente. E ele quem traz a doença e a morte, mas é também o que cura. Na devoção bhakti ele é visto como um deus cheio de compaixão, que salva o homem da transmigração.

A filosofia religiosa indiana se baseia na crença num deus eterno, mas não especifica se esse deus é Vishnu, Shiva ou algum outro. Deixa-se a cargo do indivíduo decidir de que maneira esse deus deve ser adorado. Nos círculos acadêmicos é comum ver Vishnu e Shiva formando uma trindade com o deus Brahma. Brahma é o criador, quem faz o mundo. Vishnu é o sustentador, que protege as leis naturais e a ordem universal. E Shiva é o destruidor, que no final de cada época dança sobre o mundo até reduzi-lo a pedaços. Uma vez que isso acontece, Brahma tem de criar o mundo novamente. Assim, essas três personagens, ou "máscaras", representam três aspectos de Deus: o criador, o sustentador e o destruidor. Essa doutrina trinitária, no entanto, tem pouca relevância na devoção popular.

Deusas

O hinduísmo tem uma série de deusas. Alguns adotam a teoria de que essa abundância de deusas não passa da expressão de uma grande e poderosa divindade feminina, a "Rainha do Universo" ou "Deusa-Mãe". Sua manifestação mais conhecida é Kali, a deusa negra, adorada sobretudo no Leste da Índia e a quem se sacrificam animais. O alto status de Kali no mundo dos deuses é evidente pelas imagens que a mostram pisoteando o corpo de Shiva.

A importância das deusas na religião indiana é visível pela escolha da "Mãe Índia" (Bhárata Mata) como a divindade nacional do moderno Estado da Índia. Na cidade de Varanasi há um templo especial que lhe é dedicado. Ali, em vez de uma representação da deusa, está exposto um mapa da Índia.

Divindades menores

A maioria das aldeias tem seu templo dedicado a Vishnu ou a Shiva. Esses deuses se concentram nas questões maiores, universais, e em geral são homenageados nos grandes festivais. Num nível mais terra-a-terra, as pessoas costumam visitar os pequenos templos dedicados a divindades menos importantes. Embora não sejam tão poderosas como Vishnu ou Shiva, é mais fácil se aproximar delas para assuntos de menor importância, tais como problemas pessoais.

Os deuses menores por vezes exercem influência em áreas especiais, por exemplo, em certos tipos de doença. Muitos deles têm origem humana: podem ser heróis que morreram em batalha, ou esposas que se ofereceram para ser queimadas na pira funerária do marido. Alguns deuses são espíritos malignos que foram deixados para trás por homens maus. Ao cultivar esses espíritos como deuses, é possível controlar e neutralizar seu mal.


Vida religiosa


O culto no lar e no Templo


A maioria dos hinduístas devotos têm em casa uma sala ou um canto especial onde põem estampas e esculturas representando um ou mais deuses. Na frente das estampas e imagens costuma haver um pequeno altar para a família celebrar o serviço divino. Em alguns casos isso ocorre diversas vezes por dia; em outros, uma vez por semana, geralmente na sexta-feira.

O culto pode variar de casa para casa, mas com freqüência compreende o sacrifício, a oração, a recitação de textos sagrados e a meditação. Antes de iniciá-lo, é importante estar ritualmente limpo. Quase sempre, um banho purificador é o primeiro passo. Prepara-se então o sacrifício, de acordo com certas regras. Pode-se pôr no altar arroz, frutas ou flores. Feito isso, o adorador se inclina até o chão, com as mãos unidas, diante das imagens divinas. É comum repetir o nome do deus e recitar textos sagrados; porém, também é habitual a oração espontânea, pessoal. Se foram postos frutos diante das imagens, estes serão comidos pela família ou oferecidos às visitas que chegarem.

Não é obrigatório que o hinduísta vá ao templo, mas nos templos há muitos serviços populares, e existe um templo em cada aldeia da Índia. O dia no templo começa com música para despertar os deuses; depois disso, são lavadas as imagens divinas. Durante o dia os deuses são alimentados várias vezes. As pessoas que chegam ao templo rezam para o deus, oferecem sacrifícios de flores e outros presentes, ou escutam a interpretação das escrituras dada pelo sacerdote.

O costume correto


Segundo os hinduístas, o que a pessoa faz é mais importante do que aquilo em que ela acredita. O costume correto é mais importante do que a ortodoxia; o rito religioso é mais importante do que o conteúdo religioso.

Embora a vida religiosa na Índia seja variada e multifacetada, a maioria dos indianos poderia concordar quanto a um darma comum, ou seja, uma lei ou ética comum. Isso não implica uma igualdade entre as pessoas.Darma significa que todas as pessoas têm responsabilidades para com sua família, sua casta e a comunidade como um todo - e que essas responsabilidades, desde o nascimento, variam de um indiano para outro. Tanto no contexto religioso como no social, a homogeneidade que o hinduísmo apresenta está na divisão do trabalho. Assim como o pássaro e o peixe obedecem a leis diferentes, o membro de uma casta segue regras diferentes das que regem outra casta. Dessa forma, o que é bom para um não é necessariamente bom para o outro. A boa moral consiste em adotar os preceitos e deveres de sua própria casta.

Os quatro estágios da vida


O Bhagavad Gita realça o valor das três vias de salvação e ao mesmo tempo destaca que cada pessoa deve cumprir seus deveres para com a família e a comunidade. Mas como conciliar as duas coisas? Desde os tempos antigos a vida do homem foi dividida em quatro estágios diferentes, que servem à compreensão, à adoração e aos deveres da casta. Essa divisão é relevante sobretudo para os brâmanes do sexo masculino. Os homens da classe dos guerreiros e dos agricultores também podem segui-la, em maior ou menor grau. Entretanto, "os quatro estágios da vida" representam um ideal, que nem todos praticam.

Em seu oitavo ano de vida o menino brâmane realiza um rito de passagem, no qual recebe o "fio sagrado", simbolizando que ele "nasceu pela segunda vez". O menino agora se torna um discípulo e é entregue a um mestre (guru), com quem estuda os textos sagrados (primeiro estágio).

Quando o jovem completa seu primeiro estágio de vida como discípulo, ele se torna um pai de família (segundo estágio). Casa-se, tem filhos, cumpre os deveres de casta e as obrigações sacrificiais, e desfruta dos prazeres da vida. Essa fase dura até que seus netos comecem a crescer.

O homem entra no estágio contemplativo da vida (terceiro estágio). Sozinho, ou em companhia de sua esposa, ele se retira para um local tranqüilo. Antigamente, muitas vezes ele ia para a floresta; hoje, em geral ele se dirige a um monastério ou um centro religioso (ashram).

Alguns prosseguem até o quarto estágio da vida e se tornam santos andarilhos. Nessa fase, o homem idoso fica perambulando, sem ter posses nem moradia fixa. Sobrevive com o pouco que recebe de esmola e passa o tempo inteiro em busca do autoconhecimento. Todos os deveres de casta e os laços externos foram rompidos, e o divino faz dele a sua morada.

O lugar das mulheres


A Índia também é um continente de grandes contrastes no que se refere ao papel da mulher e ao modo como ela é considerada, tanto espiritual como socialmente. O Livro dos Vedas afirma que o homem e a mulher são iguais "como as duas rodas de uma carroça". Entretanto, a aceitação prática dessa ideia tem sido bem mais difícil. Um livro indiano de normas, com 2 mil anos de idade, tem o seguinte a dizer sobre o papel da mulher: "Assim como o estudo e o serviço doméstico na casa de seu mestre são para o menino, assim deve ser para a menina viver com seu marido; ela deve ajudá-lo em seus deveres e ser ensinada por ele. Cuidar do fogo sagrado, como seu esposo lhe ensina, é comparável ao serviço do menino junto ao fogo sacrificial de seu mestre".

As mulheres na Índia são freqüentemente encaradas como "propriedade" do marido. Uma mulher solteira em geral tem um status baixo, e uma mulher casada sem filhos pode se encontrar numa situação bem precária. Por outro lado, a Índia foi um dos primeiros países a ter uma mulher como primeiro-ministro (Indira Gandhi). Muitas mulheres desfrutam de notável influência pública, e em nenhum outro país do Terceiro Mundo há tantas mulheres trabalhando fora de casa. Nesse contexto, ser membro de uma casta pode constituir um fator decisivo na situação feminina. O culto das numerosas deusas mulheres também pode contribuir para elevar a consciência das mulheres.

REFERÊNCIA:

GAARDER, Jonstein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. págs.: 40-51.

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