O Fundamento da Igreja e a Fé
>> segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Em
Mateus 16 temos a narrativa de um diálogo entre Jesus e seus discípulos
durante um "retiro espiritual" que fizeram pelas "bandas de Cesaréia de
Filipe" (v. 13). Afastado das multidões, das controvérsias com os
fariseus e outros adversários, das tremendas demandas diárias que
recebia de todos à volta, o Senhor chama aqueles que estavam mais
próximos à reflexão, para lhes mostrar alguns dos fundamentos sobre os
quais a "sua igreja" seria continuada e firmada na face da terra.
Com a
excelência da pedagogia que sempre é evidente nos Evangelhos, nosso
Senhor começa a sua lição sobre os fundamentos da Igreja com uma
pergunta que vai levar a uma outra: "Quem diz o povo ser o Filho do
Homem?". Certamente, o simples invocar do nome "Filho do Homem" já
faria com que os discípulos refletissem a respeito das mais diversas
conversas e discussões acaloradas, tidas depois das leituras dos textos
da Torá aos sábados na Sinagoga. Quem é o "Filho do Homem" segundo os
Salmos ou o Daniel, ou mesmo na forma como a expressão é empregada para
chamar o profeta Ezequiel? Quem é esse a quem tanto esperamos, era a
pergunta no ar?
A
resposta estava pronta, mostrando que havia algumas principais correntes
de interpretação entre os doutos, correntes essas que se espalhavam na
opinião do povo: João Batista, Elias, Jeremias ou algum dos profetas...
(v. 14). Mal sabia o povo que o Filho do Homem já andava entre eles a
cerca de 30 anos, e pouquíssimos o reconheceram, dentre eles, alguns
cegos, exatamente para mostrar que o real problema da humanidade não é a
cegueira física, mas a cegueira espiritual.
Continuando
com a sua sutil e certeira pedagogia, Jesus faz, então, a pergunta que
realmente interessa: "Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?"
(v. 15). Observe que a associação é imediata: "o Filho do Homem" e quem
"eu sou". Aqui está a primeira lição direta: Jesus é o Filho do Homem
anunciado no Antigo Testamento.
Como é
usual, Pedro sai na frente ao dar a resposta. É peculiar de Pedro
adiantar-se em falar e agir. E a resposta de Pedro é direta: "Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo" (v. 16). A resposta é carregada de
conceitos teológicos fundamentais que são trazidos pelos textos da Lei,
dos Salmos e dos Profetas. Em resumo, Pedro faz uma associação teológica
dizendo que o Filho do Homem é o mesmo Messias, que é o Cristo e que
este mesmo é o Filho do Deus vivo, e, afinal, era este homem que estava
diante dos seus próprios olhos na região de Cesaréia de Filipe. A partir
desta realidade, aprendemos alguns importantes princípios no diálogo
que se desenvolve.
Princípio da Revelação
Na
resposta do diálogo, Jesus mostra, então, o primeiro grande fundamento
sobre o qual a sua igreja está firmada: a iluminação do Espírito Santo
sobre a Revelação, ou como chamarei aqui, o Princípio da Revelação. O
Senhor Jesus diz que não foi carne ou sangue que fizeram Pedro
reconhecer esta verdade revelada nas Escrituras e agora exposta diante
de seus próprios olhos, mas o próprio Deus. Esta é uma das fundamentais
diferenças entre o cristianismo e outras religiões. A revelação que vem
da parte de Deus e que corresponde à realidade dos fatos. Jesus é aquele
que a Escritura diz que ele é. Jesus é aquele que ele mesmo diz ser.
Jesus é aquele que Deus diz ser! Temos aqui três ideias básicas.
Primeiro, que a revelação passada se cumpre em Cristo, afinal, ele é o
Messias prometido. Segundo, que a revelação presente, na encarnação do
Filho do Deus vivo, é superior. Não no sentido de que a revelação
anteriormente dada fosse imperfeita, mas agora, ela é completa e plena.
Tudo o que Deus quis revelar, mostrou-nos no seu Filho (Hb 1.3; Jo
1.18). E terceiro, aprendemos que a iluminação individual é fundamental.
O verso 17 nos ensina que Deus revelou a Pedro esta verdade. Os
escribas, fariseus e todos os estudiosos da época tinham as mesmas
fontes que Pedro tinha, mas foi Pedro quem conectou os pontos da
revelação passada com a revelação presente diante dos seus olhos. Esta
mesma verdade é viva hoje quando, pela iluminação do Espírito Santo,
percebemos na Escritura a verdade de Deus. Crer na revelação da Palavra
de Deus é uma bem-aventurança: "Bem-aventurado és, Simão Barjonas".
Sobre esta revelação é que a fé da Igreja deve ser fundamentada.
Princípio da Edificação
A
resposta de Jesus a Pedro começou com uma troca de palavras: você disse
que eu sou o Cristo, e eu digo, Simão Barjonas (Simão filho de Jonas),
que você é pedra (o significado do apelido de Simão, Pedro). Jesus usa
deste trocadilho para trazer à luz uma das mais importantes verdades a
respeito da fé da Igreja: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja"
(v. 18).
O
catolicismo romano imediatamente interpretou o jogo de palavras, Pedro e
pedra, como sendo a mesma palavra e nisto construiu a doutrina do
papado, sendo Pedro o primeiro desta suposta sucessão. Mas há aí uma
falácia. Quando Jesus diz "esta pedra", não refere-se a Pedro, mas à
verdade pronunciada por Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". É
sobre esta verdade que a Igreja irá subsistir, a obra do Filho de Deus.
O próprio Pedro, refletindo sobre esta verdade, fala-nos em sua
primeira epístola: "Por isso, na Escritura se diz: Eis que ponho em Sião
uma principal pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não
será confundido" (1Pe 2.6).
A grande
lição aprendida aqui é que a Igreja de Jesus nunca poderá ser edificada
sobre fundamentos humanos. Sempre que interferimos e nos colocamos no
lugar do fundamento verdadeiro encontramos diante de nós uma igreja
falsificada, trasvestida e irreconhecível como igreja de Cristo.
Princípio da Propriedade
Da mesma
forma como a igreja não pode ter fundamentos lançados por homens, ela
não pode ter homens como seus proprietários! No final do verso 18, o
Senhor Jesus usa a expressão "minha igreja". A igreja é dele, sua noiva,
pela qual ele tem verdadeiro zelo e compromisso. Com base nesta verdade
é que são feitas muitas promessas à Igreja e a respeito da Igreja,
dentre elas, a de que vai ele apresentá-la sem mancha, ruga ou mácula.
O Senhor
sabe que é necessário cumprir toda a sua obra pela Igreja, para que
possa resgatá-la de forma completa. Por isto mostra aos seus discípulos:
"Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos
que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos
anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e
ressuscitado no terceiro dia" (v. 21). Ele diz "minha igreja" porque
ele é o único dono dela, trabalhou até a morte para que pudesse
comprá-la com seu sangue e ninguém mais pudesse clamar posse sobre ela e
seus membros. A Igreja de Jesus não existiria como tal sem a sua morte e
ressurreição, o que lhe dá completa posse dela.
Princípio da Autoridade
Por
último, podemos perceber o princípio da autoridade de Cristo sobre a sua
Igreja. Para demonstrar este princípio temos, em primeiro lugar, a
afirmação desta autoridade: "E as portas do inferno não prevalecerão
contra ela" (v.18b). O conceito é, de certa forma, muito simples: o fato
da Igreja ter a autoridade da revelação de Deus, ser a propriedade e a
edificação de Cristo, não há nada neste mundo, nem o próprio inferno,
que possa se colocar contra ela e vencer. Assim, a verdadeira Igreja de
Cristo não tem o que temer; não há poderes que possam terminá-la, porque
ela pertence a Cristo. Aliás, opor-se à obra de Cristo na Igreja é obra
de Satanás e é por isto que Pedro é repreendido severamente ao opor-se,
quando foi dito que era necessária a morte e ressureição do Senhor.
Por
outro lado, a verdadeira Igreja trabalha como uma agência do céu aqui na
terra. O Senhor afirma: "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que
ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra
terá sido desligado nos céus" (v.19). Veja que o texto é muito claro em
dizer que a ordem da ação de ligar e desligar começa no céu e é
implementada na terra pela Igreja. Acredito que aqui temos o ensino
claro, somado ao contexto de Mateus 18.15-18, onde aparece a mesma
expressão, que a Igreja tem a obrigação de admitir e demitir aqueles que
não cogitam das coisas de Deus. A Igreja tem a responsabilidade de
abrir e fechar a porta para que as "portas do inferno" não operem dentro
dela mesma. Logo, a Igreja na terra deve viver na busca de realizar a
vontade soberana do Pai do céu.
E como, afinal, esta fé deve ser vivida aqui na terra?
"Então,
disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo
se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a
sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á.
Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua
alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma? Porque o Filho do Homem
há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá
a cada um conforme as suas obras. Em verdade vos digo que alguns há,
dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte
até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino" (16.24-28).
O que o
texto nos mostra é que a vida de fé na igreja deve ser vivida em torno
da cruz! É, com certeza, uma vida de negação dos padrões da
individualidade egoísta para viver os padrões da vida do bem-aventurado.
Da mesma forma como era necessário que o Senhor fosse a Jerusalém para
passar pela cruz, o cristão toma a sua cruz e segue a Jesus nos passos
da ressurreição.
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Sobre o autor: Mauro Meister é graduado pelo Seminário Presbiteriano do
Sul. Fez mestrado em Teologia Exegética do Antigo Testamento no
Covenant Theological Seminary e doutorado em Línguas Semíticas, com
especialização em hebraico, na Universidade de Stellenbosch, na África
do Sul. É pastor da Igreja Presbiteriana Barra Funda, em São Paulo,
presidente do Conselho de Educação Cristã e Publicações da Igreja
Presbiteriana do Brasil e membro do Conselho Editorial da Cultura Cristã
(Casa Editora Presbiteriana). Atua no campo da educação básica como
Diretor Executivo da Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI).
É autor do livro "Lei e Graça" (2003) e de artigos na revista Fides
Reformata, da qual é co-editor.
Fonte: Editora Fiel
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