Reflexões sobre profecias humanas
>> quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Em um dos meus pastorados, assumi pregar uma série de sermões sobre Cristo no Apocalipse. Não analisaria o livro, mas veria os retratos de Cristo. Dispondo de cerca de 30 comentários sobre o Apocalipse e algumas versões bíblicas, julguei ter material suficiente. E tinha. O bastante para me confundir e me deixar perplexo com a facilidade com que as pessoas fazem “profecias”.
Preparei a primeira mensagem, “O cartão de visitas do Cristo
glorificado” (1.4-6), e fui para a mensagem no texto de 1.7. O tema seria “Ele
vem!”. Um dos livros que usei, embora superficialmente, foi o comentário de
Champlin sobre o Novo Testamento. O comentarista remete os leitores a um artigo
no volume 1 (o comentário do Apocalipse está no 6): “A tradição profética e a
nossa era”. E afirma sobre o artigo: “Que a história julgue a veracidade do que
é dito aqui. Que o leitor consulte, mas não condene antes do tempo!” (p. 374).
Meu exemplar da obra de Champlin está datado de 4.2.1980. Passados 32 anos, a
história julgou seu artigo. Pinço trechos de sua obra, sem os comentar. Como
ele pediu, que o leitor julgue. Nada tenho contra o autor, mas é para vermos o
risco de declarações humanas feitas como se fossem oráculos do Senhor. As
citações são do artigo “A tradição profética e a nossa era”, às páginas 180-184
do volume 1 de O Novo Testamento interpretado versículo por versículo.
(1) “Nossos filhos, se não nós, veremos Israel nacionalmente
convertido a Cristo. Dentro dos próximos 35 anos Israel tornar-se-á a poderosa
nação cristã ‘missionária’, a mais fanática de todas, substituindo certas
nações que agora arcam com a responsabilidade missionária”.
(2) “Ezequiel 38 e 39 descrevem a posição da Rússia nos
últimos dias (...). Tudo começará com a invasão russa nas terras dos
combatentes árabes e judeus (pois esse conflito prosseguirá interminavelmente)
e isso provocará o início da Terceira Guerra Mundial (...). Isso terá lugar em
algum ponto perto do fim do século XX”.
(3) Sobre o anticristo: “Cremos que esse homem já vive, a
confiar nas declarações de certos místicos contemporâneos, que se sabe
possuírem poderes preditivos (...). É perfeitamente possível, conforme já foi
predito por alguns deles, que o anticristo tenha nascido a 5 de fevereiro de
1962. Notemos que esse ‘ano’ é igual a 666 numericamente considerado, pois se
adicionarmos 1+9+6+2 = 18, ou seja, três vezes seis (...). No começo da década
de 1990 esperamos vê-lo”.
(4) Sobre a Terceira Guerra Mundial: “Grande terremoto
atingirá Israel dando a seus inimigos árabes uma vantagem momentânea do que resultará
a invasão das terras de Israel. Perdas imensas terão lugar, em ambos os lados,
e isso continuará até cerca de 1988 (...). Por volta do ano 2000, as forças
comunistas terão sido isoladas no Oriente Médio”.
(5) “Em meio a esse pior de todos os holocaustos, subitamente
se tornará visível no firmamento o sinal do Filho do homem, uma grande cruz
luminosa. Jesus será visto corporalmente entre os soldados israelenses, que
estarão lutando pela sobrevivência da própria nação, quando estiverem quase
perdendo a esperança de que isso será possível. As notícias de que Jesus está
conosco se propagarão como um incêndio por todo o Israel. Os homens serão
convocados para a vitória. Israel proclamar-se-á uma nação cristã; e tendo
sobrevivido tornar-se-á a mais poderosa nação cristã da época”.
(6) Sobre cataclismos: “A geologia revela-nos que por muitas
vezes, na história do globo terrestre, seus pólos magnéticos subitamente mudaram
de posição, provocando imensos dilúvios destruidores (...). Alguns cientistas
predizem que isto pode estar próximo. Isso pode ter algo a ver com a derrubada
do anticristo e pode estar associado ao segundo advento de Cristo” (o itálico é
meu).
No volume 2, no comentário sobre Lucas 21.9 (p. 202): “A
Terceira e a Quarta Guerras Mundiais, que esperamos para antes de 2025 – a
terceira virá antes do fim do nosso século XX – serão guerras atômicas”.
Champlin não está só. Muitos devem se lembrar das
precipitações sobre o alinhamento dos planetas, em 1982. Lawrence Olson lançou
um livro intitulado O alinhamento dos
planetas. Meu exemplar é da quinta edição, mas outras foram tiradas. Quanto
argumento vazio, mal alinhavado, sem sentido algum! Tudo para provar que Jesus
poderia voltar em 1982! E o que dizer de A
agonia do grande planeta Terra, de Lindsey, que vendeu uma edição em três
meses! Quanta impropriedade, quanta exegese a fórceps, com passagens sacadas do
contexto, e fatos históricos mal interpretados! O Mercado Comum Europeu era
dado como o Império Romano Redivivo assim que chegasse a dez nações, cumprindo
profecias de Daniel e Apocalipse (p. 88). Já são 25 nações. Jean- Jacques
Servan Schreiber é insinuado como o “fuehrer do futuro”. Na obra Evangélicos em crise, Paulo Romeiro
transcreve pregação de Valnice Coelho marcando a volta de Cristo para 2007 (p.
182). Passaram-se cinco anos, Cristo não voltou e ela, convenientemente, se
calou. Impressiona a empáfia com que pregadores fazem afirmações deste tipo.
Errando, não se desculpam! E ainda são levados a sério!
Não quero ridicularizar Champlin, Olson, Lindsey e Valnice. Seus
adeptos farão vistas grossas a seus erros e me criticarão por “tocar nos
ungidos do Senhor”. Cegueira mental e espiritual é terrível! Mas o leitor que tem
bom senso pode avaliar seus escritos. Não desprezo tais pregadores. Mantenho
comigo a obra de Champlin, consulto-a em alguns textos e ele me elucida porque
nem só de equívocos vive uma pessoa. Mas não me calo com a falta de seriedade
no que se chama de “profecia” e na pompa egomaníaca com que seus autores as
proferem. É incrível: há quem os justifique! Talvez por causa de uma citação de
Demóstenes, registrada no livro de Lindsey: “Cremos
em qualquer coisa que quisermos”. Deve ter sido por isto que ele escreveu A
agonia...
O Antigo Testamento nos dá o fio de prumo para analisarmos os
chamados “profetas” de hoje. Diz Deuteronômio 18.21-22: “E, se disseres no teu coração: Como conheceremos qual seja a palavra
que o Senhor falou? Quando o profeta falar em nome do Senhor e tal palavra não
se cumprir, nem suceder assim, esta é a palavra que o Senhor não falou; com
presunção a falou o profeta; não o temerás”. Se não se cumprir, a profecia
não é de Deus. Simples, não é? Mas não é tudo. Se o profeta falar, o que ele
disser se cumprir e ele se valer disto para desviar o povo da Palavra, deve ser
rejeitado. Diz Deuteronômio 13.1-5: “Se
levantar no meio de vós profeta, ou sonhador de sonhos, e vos anunciar um sinal
ou prodígio, e suceder o sinal ou prodígio de que vos houver falado, e ele
disser: Vamos após outros deuses que nunca conhecestes, e sirvamo-los, não
ouvireis as palavras daquele profeta, ou daquele sonhador; porquanto o Senhor
vosso Deus vos está provando, para saber se amais o Senhor vosso Deus de todo o
vosso coração e de toda a vossa alma. Após o Senhor vosso Deus andareis, e a
ele temereis; os seus mandamentos guardareis, e a sua voz ouvireis; a ele
servireis, e a ele vos apegareis. E aquele profeta, ou aquele sonhador,
morrerá, pois falou rebeldia contra o Senhor vosso Deus, que vos tirou da terra
do Egito e vos resgatou da casa da servidão, para vos desviar do caminho em que
o Senhor vosso Deus vos ordenou que andásseis; assim exterminareis o mal do
meio vós”. Não quero o apedrejamento desses profetas. Só mostro que em vez
de ouvi- -los devemos rejeitá-los. O padrão é a Palavra de Deus. Se a temos
como autoritativa e revelação completa, fiquemos com ela. Ela basta.
Passou da hora de dar um basta em revelações, profecias, visões,
sonhos e interpretações particulares que avultam em nosso meio. Rejeitemos a
megalomania de pregadores que se dizem “canal especial de Deus para esta
geração”. Diz Jeremias 23.28: “O profeta
que tem um sonho conte o sonho; e aquele que tem a minha palavra, fale
fielmente a minha palavra. Que tem a palha com o trigo? diz o Senhor”. Por
fim, guardemos Isaías 8.20: “A Lei e ao Testemunho!
Se eles não falarem segundo esta palavra, nunca lhes raiará a alva”.
Firmemo-nos na suficiência das Escrituras e afirmemos um princípio
hermenêutico: quando a Bíblia é explícita, somos explícitos e falamos. Quando
ela se cala, nós não inventamos e nos calamos. Que cessem as comichões nos
ouvidos e voltemos ao apego às Escrituras. Elas são a verdade. Sobriedade no
ensino bíblico nunca fez mal a alguém.
Fonte: O Jornal Batista
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