A mãe de Moisés
>> segunda-feira, 14 de maio de 2012
Por Elben César
Meu nome é Joquebede, que quer dizer “Jeová
é a minha glória”. Tenho algumas lembranças muito tristes, como o
estupro de minha tia Diná e a vingança cruel que meu pai Levi e meu tio
Simeão infligiram aos siquemitas. Sou casada com Anrão, que é meu
sobrinho. Para mexer comigo, meu marido, de vez em quando, me chama de
tia. Somos tementes a Deus. Acabamos de sair do Egito e estamos
acampados ao pé do monte Sinai. Faraó custou a nos deixar sair e só o
fez depois de grandes manifestações de julgamento da parte de Deus. Meus
filhos Moisés e Arão foram os instrumentos que Deus usou para nos
retirar do Egito. Nosso destino é Canaã, a terra que mana leite e
mel,prometida aos nossos antepassados Abraão, Isaque e Jacó, que a
percorreram de ponta a ponta. Estou bem avançada em anos. Não sei se
chegarei até lá. Mas sinto-me realizada e profundamente grata a Deus por
todos os seus benefícios.
Salvo do genocídio
Estou
me lembrando agora de quando fiquei grávida pela terceira vez, há
oitenta anos. A essa altura já tínhamos uma filha e um filho: Miriã e
Arão. Os tempos eram muito difíceis. Faraó começava a apertar o cerco
contra nós. Não valia a pena colocar mais filho no mundo. Anrão e eu
evitávamos o relacionamento físico naqueles dias em que certamente
poderia ocorrer uma gravidez. Mas houve um lapso e fiquei esperando um
bebê. Orávamos diariamente para que fosse uma menina, porque Faraó havia
ordenado a matança pura e simples de qualquer criança do sexo masculino
nascida entre os hebreus. Era uma questão de segurança nacional,
justificava o rei do Egito. Achamos por bem esconder a gravidez. Então
passei a usar roupas ainda mais largas. De vez em quando uma comadre me
dizia que eu estava engordando e eu, naturalmente, concordava com ela
para encerrar a conversa o mais rápido possível. O parto foi bem
discreto: meu marido mesmo cuidou de mim. Não era a menina que havíamos
pedido insistentemente a Deus, mas um menino robusto e formoso. Todos
nos entreolhamos e assumimos a situação. Como ninguém sabia da gravidez,
resolvemos ocultar também a própria criança.
A
tarefa não foi fácil. As fraldas eram lavadas e estendidas dentro de
casa para não chamar a atenção das pessoas. Acho que nenhum
recém-nascido tomou tanto mel quanto esse nosso filho: mal ele começava a
chorar, Miriã pingava uma gota de mel na boca do garoto. Se insistisse
no choro, a família inteira entoava o mais alto possível os cânticos do
Senhor. Éramos conhecidos como a família cantante. Não podendo
escondê-lo por mais tempo, calafetamos com betume e piche um pequeno
cesto de junco e nele colocamos o menino, então com 3 meses de idade. Eu
mesma levei o cestinho e o larguei no carriçal à beira do rio Nilo, nas
proximidades do sítio onde a filha de Faraó costumava banhar-se. Era um
lugar mais ou menos seguro, longe da correnteza, a salvo dos
crocodilos, da famosa tilápia nilótica (que chega a pesar 90 quilos) e
do peixe-elétrico (que é capaz de produzir uma descarga de 300 a 400
volts). Meu medo maior era de um tipo de cobra venenosa chamada naja
haie, comum no Egito. Mas todo o nosso plano foi preparado na presença e
na dependência de Deus, com muita oração. Desde o nascimento do menino,
tive o pressentimento de que ele era formoso também aos olhos de Deus.
Voltei para casa e deixei Miriã nas proximidades do lugar onde o menino
ficara.
Salvo das águas
Deus
fez infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos. O plano
deu certo. A filha de Faraó desceu ao rio dos rios e logo viu o estranho
cestinho. Curiosa, ela mesma o tomou e o abriu. Meu filho chorava —
estava molhado de xixi, com fome e sem as gotinhas de mel de Miriã — e a
princesa se ligou imediatamente a ele. Ela era uma das sessenta filhas
de Ramessés II e se chamava Merris. A jovem logo percebeu que o menino
era filho de hebreus e o adotou. Nesse momento, Miriã entrou em cena e
se ofereceu para chamar uma mulher hebreia para amamentar a criança até o
desmame. A princesa deu o seu consentimento — afinal o garoto estava
morto de fome e chorava sem parar. Minutos depois, lá estava eu com meu
próprio filho ao seio, sem que Merris soubesse que eu era a mãe dele.
Por ironia da história, até recebi salário para cuidar do menino. A
filha de Faraó deu-lhe o nome de Moisés, que significa “salvo das
águas”. Só então percebi que nossas orações devem ser flexíveis e
inteiramente sujeitas à vontade e à sabedoria de Deus. Felizmente, o
Senhor não as ouviu ao pé da letra, quando lhe pedíamos que viesse uma
menina e não um menino.
Salvo dos prazeres transitórios do pecado
Além
de alimentar Moisés e lhe dispensar outros cuidados físicos,
transmiti-lhe as primeiras impressões e informações recebidas de nossos
ancestrais sobre Deus e sobre o nosso povo. Porém ele foi educado em
toda a ciência dos egípcios. Tornou-se um homem poderoso em palavras e
obras. Aos 40 anos, ele recusou ser chamado filho da filha de Faraó e se
identificou conosco, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus
a usufruir prazeres transitórios do pecado. Abandonou o Egito e
permaneceu firme como quem vê aquele que é invisível. Mais tarde, já
casado e com dois filhos, Deus lhe apareceu na terra de Midiã, numa
chama de fogo, e o comissionou para liderar o êxodo de Israel.
Ao
voltar ao Egito, aconteceu uma coisa terrível: Deus veio ao seu
encontro numa estalagem e o quis matar. Pode parecer muito estranho o
Senhor querer destruir o instrumento que Ele mesmo escolheu, preparou e
equipou. Moisés e Zípora, sua mulher, logo entenderam que tratava-se de
uma advertência divina para que eles circuncidassem os filhos, cumprindo
assim “o sinal da aliança” dado por Deus a Abraão e aos seus
descendentes.
Quanto ao êxodo e à nossa viagem até
aqui, ao pé do monte Sinai, privo-me de narrar todos os fatos para não
me alongar demais. Há vários dias, Moisés se encontra no alto do monte
de Deus. Aqui embaixo há uma certa inquietação e uma movimentação que
começa a me preocupar. Estou orando muito por Arão, três anos mais velho
que Moisés. A responsabilidade dele é muito grande.
Nota
Retirado do livro Deixem Que Elas Mesmas Falem, de Elben César.
O título original é “Meu filho é homem. E agora?”.
O título original é “Meu filho é homem. E agora?”.
Fonte: Ultimato
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