A Verdade Bem Menos Sensacionalista sobre a ‘Esposa’ de Jesus
>> quinta-feira, 20 de setembro de 2012
O Estadão publicou uma notícia no dia 18 dizendo:
Karen King, pesquisadora de Harvard.
Fonte: http://noticias.uol.com.br/Um fragmento de um antigo papiro escrito no antigo idioma copta, e até agora desconhecido, contém frases que sugerem que Jesus tenha sido casado, numa descoberta que deve alimentar o acalorado debate sobre esse tema no mundo cristão.A existência do fragmento do século 4o, não muito maior do que um cartão de visitas, foi revelada na terça-feira numa conferência proferida em Roma por Karen King, professora da Escola de Divindade de Harvard, de Cambridge (Massachusetts).Nesse pedaço, leem-se as palavras: “Jesus disse a eles: minha esposa…”.
É interessante ler todo artigo do Estadão para ver as reivindicações que King tem feito.
E lá vamos nós de novo: a “conspiração
esposa de Jesus”! Enfim, queremos ajudá-lo a responder tais
questionamentos e acusações, então traduzimos um texto de Michael J.
Kruger, professor de Novo Testamento no Seminário Teológico Reformado em
Charlotte, Carolina do Norte.
Extra: Jesus e os Evangelhos Canônicos
A Verdade Bem Menos Sensacionalista sobre a ‘Esposa’ de Jesus – Michael J. Kruger
Desde a descoberta dos “Evangelhos
Gnósticos” em Nag Hammadi em 1945, estudiosos e o público em geral
parece ter inesgotáveis versões alternativas da vida de Jesus. O Evangelho de Tomé, o Evangelho de Pedro, o Evangelho de Maria, e mais recentemente, o Evangelho de Judas,
levantaram questões provocativas sobre o Cristianismo. Histórias de
Jesus foram intencionalmente omitidas do Novo Testamento? Estas versões
alternativas do Cristianismo foram reprimidas (ou oprimidas)? E os
evangélicos canônicos realmente nos dão uma descrição fiel de Jesus?
Justamente quando a poeira baixou depois da descoberta do Evangelho de Judas,
uma nova descoberta agora reabriu todas estas questões. Durante meu
intervalo de almoço ontem (ironicamente justo antes de eu começar minhas
palestras sobre os evangelhos apócrifos), eu recebi a notícia de um
novo manuscrito que retrata Jesus como tendo uma esposa. Isso é notável,
pois — apesar das afirmações do O Código Da Vinci — nós não possuímos nenhum texto dentro de todo o Cristianismo que diga explicitamente que Jesus era casado.
Este novo manuscrito — apropriadamente intitulado de o Evangelho da Esposa de Jesus
— é um fragmento de um códice do quarto século em copta (Sahídico) que
em um lugar se lê: “Jesus lhes disse: ‘Minha esposa… ela será apta de
ser minha discípula’”. O fragmento é bem pequeno (4 x 8 cm), com escrita
desbotada no verso. O texto principal está escrito em uma caligrafia
limitada e semialfabetizada. Mais notavelmente, Karen King da
Universidade de Harvard sugeriu que ainda que o manuscrito seja do
quarto século, a composição original deve ser datada para a metade do
segundo século.
Então, o que devemos fazer com esta nova descoberta? Eis aqui diversas considerações.
Autenticidade
A falsificação não é incomum no mercado
de antiguidades. Eu não sou um especialista em paleografia copta (minha
área são os manuscritos gregos), mas me preocupa a aparição inicial do
manuscrito. Em particular, a natureza desleixada da caligrafia do
escriba, e as pinceladas largas e indiferenciadas da pena pareceram
problemáticas. Além disso, a cor da tinta parece incorreta — é muito
escura, quase como se tivesse sido pintada. Tintas antigas tendem a ser
mais de cores mais claras, apesar de haver exceções. Este cenário é
exacerbado pela ambiguidade sobre o local de sua descoberta e a
identidade de seu proprietário anônimo.
Contudo, de acordo com o artigo*
disponível de Karen King, este manuscrito foi examinado por Roger
Bagnall e AnnMarie Luijendijk, dois estudiosos respeitáveis, e ambos o
consideraram autêntico e atribuíram o estranho estilo à pena grossa do
escriba. Outras indicações de autenticidade são o uso da nomina sacra
(abreviações de certas palavras) e a tinta desbotada no verso da página
(algo que teria necessitado de tempo considerável). Mas meu amigo e
estudioso copta, Christian Askeland*,
é cético quanto à sua autenticidade devido a, entre outras coisas, a
estranha formação de algumas de suas letras (em especial o épsilon) e as
omissões no texto copta. Outros estudiosos também expressaram ceticismo* sobre o fragmento.
Neste ponto, não há maneira de saber se
ele é genuíno ou uma falsificação. Não podemos ter certeza até que mais
estudiosos tenham uma oportunidade de examiná-lo.
Composição
Assumindo por um momento que o
manuscrito seja genuíno, ainda restam questões sobre sua composição.
Primeiramente, com que tipo documento estamos lidando aqui? À primeira
vista, o documento parece ser escrito como um texto similar a um
evangelho que contem histórias e ditos de Jesus. De fato, Jesus parece
estar fazendo o que ele frequentemente faz em outros textos dos
evangelhos: ele está tendo uma conversa com seus discípulos. Alguns
estudiosos sugeriram que este fragmento pode ser um texto mágico como um
amuleto, particularmente devido a seu pequeno tamanho. Contudo,
amuletos normalmente não continham escritos no verso da página. Se o
escrito no verso deste fragmento for continuação da frente (o que é
desconhecido até agora) então ele pode simplesmente ser um códice
miniatura. Códices miniaturas eram populares no Cristianismo primitivo e
frequentemente continham textos apócrifos. Para mais sobre este
assunto, veja meu artigo aqui*.
Outra questão diz respeito à data da
história que este fragmento contém. Quando esta história foi composta?
King argumenta que ela foi composta em meados do segundo século baseada
largamente em nas amplas similaridades com o Evangelho de Tomé e o Evangelho de Filipe,
ambos cujos existiram durante este intervalo de tempo. Esta é
certamente uma possibilidade, especialmente visto que conhecemos
diversos outros evangelhos apócrifos que foram compostos no segundo
século (por exemplo, Evangelho de Pedro, P. Egerton 2, P.Oxy. 840). Contudo, este argumento não requer
uma data no segundo século. Esta história pode ter sido escrita no
terceiro século e pode ter simplesmente esboçada sobre escritos como o Evangelho de Tomé e o Evangelho de Filipe.
O mais importante, não há nada que
indicaria que a composição deste evangelho deva ser datada do primeiro
século. Ele foi produzido muito depois do tempo dos apóstolos,
juntamente com outros evangelhos apócrifos conhecidos.
Valor Histórico
A questão chave é se este registro do
evangelho em particular pode nos dizer qualquer coisa sobre como Jesus
de fato era. Este texto prova que Jesus tinha uma esposa? Este evangelho
fornece informação histórica confiável? Não e não. Não há razão para
pensar que este evangelho guarde tradição autêntica sobre Jesus. Ele é
uma produção tardia, não baseada no depoimento de testemunhas, e
igualmente se esboça sobre outros trabalhos apócrifos como Tomé e Filipe.
Além disso — e isto é fundamental — nós
não temos uma única fonte histórica em todo o Cristianismo primitivo que
sugira que Jesus fosse casado. Nenhuma. Não há nada sobre Jesus ser
casado nos evangelhos canônicos, nos evangelhos apócrifos, nos pais da
igreja, ou em qualquer outro lugar. Mesmo que este novo evangelho
declare que Jesus fora casado, isto está em desacordo com todas as
outras evidências históricas verossímeis que temos sobre sua vida. Como a
própria King observou: “Este é o único texto antigo remanescente que
explicitamente retrata Jesus referindo-se a uma esposa. Contudo, ele não fornece evidência de que o Jesus histórico tenha sido casado” (p. 1 aqui*).
Conspirações e os Evangelhos Canônicos
Todo mundo adora uma boa teoria da
conspiração. Certamente seria muito mais divertido para nossa cultura se
alguém pudesse mostrar que os livros apócrifos fossem de fato a
Escritura da igreja primitiva e que eles foram reprimidos pelas
maquinações políticas da igreja posterior (por exemplo, Constantino).
Mas a verdade é muito menos sensacionalista. Enquanto aos livros
apócrifos tenha sido concedido algum status escritural de tempos em
tempos, a esmagadora maioria dos cristãos primitivos preferiam os livros
que agora estão em nosso cânon do Novo Testamento. Desta forma, somos
lembrados novamente de que o cânon não foi arbitrariamente “criado” pela
igreja no quarto ou quinto século. As afirmações da igreja posterior
simplesmente refletiu o que já era o caso por muitos, muitos anos.
Quando se trata desse tipo de questão eu gosto de lembrar meus alunos de um simples — mas frequentemente negligenciado — fato: de todos os evangelhos no Cristianismo primitivo, apenas Mateus, Marcos, Lucas e João são datados do primeiro século. Claro, há pequenas tentativas de colocar livros como o Evangelho de Tomé
no primeiro século — mas tais tentativas não foram bem recebidas pelos
estudiosos bíblicos. Assim, se realmente queremos saber como Jesus era,
nossa melhor aposta é confiar nos livros que foram ao menos escritos
durante o período de tempo quando as testemunhas ainda estavam vivas. E
apenas quatro evangelhos satisfazem este padrão.
* N. do T.: em inglês
Por Michael J. Kruger. Copyright © 2012 The Gospel Coalition, Inc. All rights reserved. Original: The Far Less Sensational Truth about Jesus’ ‘Wife’.Tradução: voltemosaoevangelho.com.Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que adicione as informações supracitadas, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.
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