Religião perderá força no Brasil por causa da prosperidade, diz estudioso americano Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/2012/08/religiao-perdera-forca-no-brasil-por.html#ixzz25LqBd7bs Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial Share Alike
>> domingo, 2 de setembro de 2012
Michael Shermer Foto: Byrd Williams |
TERRA
Diretor
da Sociedade Cética, criador da revista Skeptic e articulista semanal
da Scientific American, o psicólogo e escritor americano Michael Shermer
vem ao Brasil para disseminar a dúvida e o questionamento na 6ª edição
do Fronteiras do Pensamento. Na mala, o cientista traz a certeza de que o
ceticismo pode melhorar o planeta. De fato, ele prevê o arrefecimento
da religiosidade da população brasileira com o aumento da prosperidade:
"As pessoas se voltam para a religião quando seus governos não fornecem
uma estrutura social sólida".
Shermer
nem sempre foi tão cético quanto mostra uma das frases de sua
entrevista ao Terra: "Eu duvido até que provem o contrário". Durante o
ensino médio, ele batia de porta em porta para propagar a palavra do
Evangelho. No curso de psicologia, porém, as certezas cristãs começaram a
ruir. Por fim, em 1983, competindo como ciclista em um desafio chamado
Race Across America, ele percorreu mais de 2 mil km em 83 horas sem
dormir e, absolutamente exausto, passou a delirar. Quando seu time de
apoio finalmente pediu que ele parasse para descansar, o ciclista pensou
que eram alienígenas conduzindo-o para a nave-mãe. Algumas horas de
sono o curaram - a nave, afinal, não passava de um motor homebem
americano. Essa confusão o levou a estudar com afinco as razões pelas
quais os indivíduos encontram explicações estranhas para eventos que não
conseguem entender com a razão.
Seu
livro mais recente, The believing brain - o qual será lançado em breve
no País com o título A mente e a crença, pela JSN Editora - trata
exatamente disso. Nele, o autor delineia um panorama das associações e
dos processos envolvidos na mecânica cerebral da crença. "O cérebro é
uma máquina de crenças", diz Shermer. "A partir dos dados sensoriais que
fluem através dos sentidos do cérebro, naturalmente se começa a
procurar e encontrar padrões, e então se infundem significados a esses
padrões".
Para
explicar suas teorias e fomentar o ceticismo, o mestre em Psicologia
Experimental e Ph.D. em História da Ciência espera ser recebido por
pessoas "curiosas e apaixonadas por compreender o mundo" em Porto
Alegre, dia 27, e São Paulo, dia 29.
Confira a seguir a entrevista completa com Shermer.
Terra - O que significa ser cético?
Michael Shermer -
Ceticismo significa investigação cuidadosa. É manter a mente aberta,
mas não tão aberta que seu cérebro caia fora e você passe a acreditar em
tudo. Ceticismo é ciência, e os cientistas são céticos porque a maioria
das ideias acaba se revelando falsa. Assim, a posição padrão da ciência
e do ceticismo é a dúvida: eu duvido até que provem o contrário.
Os
céticos acreditam na ciência, na razão e na racionalidade. Os céticos
acreditam que a mente humana é capaz de resolver problemas e melhorar
nossas vidas através da razão. Os céticos são otimistas que têm
esperança para o nosso futuro contanto que possam usar a razão e a
ciência.
Qual é o objetivo da ciência em um mundo que procura tanto o sobrenatural?
Shermer
- Ciência é um método para responder perguntas sobre o mundo natural
com explicações naturais (não sobrenaturais). Ciência é um método
sistemático para testar hipóteses acerca do mundo, métodos que podem ser
empregados em qualquer lugar, por qualquer pessoa, a qualquer momento. A
ciência é aberta e provisória; não Verdades (com V maiúsculo), mas
conclusões provisórias baseadas em evidências que podem ser derrubadas
se novas evidências surgirem.
Como pode um cientista ser religioso?
Shermer
- Muitos cientistas são religiosos, mas eu acho que eles empregam o que
eu chamo de logic-tight compartments (NR: compartimentos cerebrais
impermeáveis à lógica) quando eles têm crenças conflitantes. A religião
faz coisas que a ciência não faz (como grupos que cozinham sopa e cuidam
das pessoas pobres e necessitadas), e a ciência faz coisas que a
religião não faz (como a execução de experimentos e coleta de dados para
testar hipóteses sobre o mundo).
O que você acha de James Randi, que oferece US$ 1 milhão para quem provar ser um verdadeiro paranormal?
Shermer
- Eu amo o James Randi. Ele é meu amigo e mentor. James Randi é o
padrasto do movimento cético moderno. Seu desafio de 1 milhão é uma das
coisas mais importantes na história do ceticismo.
Sobre
o seu livro Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas (Why
People Believe Weird Thing), há uma resposta fácil para esta pergunta?
Por que as pessoas acreditam em coisas como horóscopo, tarô, médiuns,
óvnis?
Shermer
- A principal razão para as pessoas acreditarem em coisas estranhas é
porque nós precisamos acreditar em coisas, no geral. Nós fazemos isso
procurando padrões na natureza. Nós somos buscadores de padrões. Eu
chamo isso de "padronicidade", a tendência de encontrar padrões
significativos em ruídos sem sentido. Ufólogos veem um rosto em Marte.
Religiosos veem a Virgem Maria ao lado de um edifício. Paranormais ouvem
pessoas mortas falarem com eles através de um receptor de rádio. Os
téoricos da conspiração acham que o 11 de setembro foi obra da
administração do presidente Bush. É claro que alguns padrões são reais:
os germes causam doenças, o DNA é a base da hereditariedade e o
presidente Lincoln foi assassinado por uma conspiração. Então a
dificuldade está em determinar a diferença entre os padrões verdadeiros e
falsos.
Quando
nós enganosamente acreditamos ter encontrado um padrão, existem dois
tipos de erro: o erro tipo 1, o falso positivo, é acreditar que algo é
real quando não é; o erro tipo 2, o falso negativo, é não acreditar que
algo é real quando é. Por exemplo, acreditar que o farfalhar da grama é
um predador perigoso quando é apenas o vento é um erro tipo 1. Isso não é
um grande problema, mas acreditar que um predador perigoso é apenas o
vento é um erro tipo 2, que pode custar a vida de um animal. Portanto,
teria havido uma seleção natural na evolução dos animais (incluindo
primatas como os nossos ancestrais hominídeos) por simplesmente
acreditar que todos os padrões são reais. Tais padronicidades, então,
significam dizer que as pessoas acreditam em coisas estranhas por causa
da nossa necessidade evoluída de acreditar em coisas não estranhas.
Há quem afirme enxergar espíritos, ouvir vozes e até conversar com seres que já faleceram. Esse tipo de relato é mentiroso?
Shermer
- As experiências que as pessoas têm são reais. O que essas
experiências representam é algo completamente diferente. A maioria das
pessoas não são mentirosas - elas acreditam naquilo que elas pensam ter
visto. Mas, na maioria dos casos, elas interpretam erroneamente a
experiência.
Em
uma outra entrevista, você comentou sobre a diminuição da religiosidade
na Europa e nos EUA. Aqui no Brasil, no entanto, não se nota essa
tendência. Qual é o motivo?
Shermer
- Eventualmente, a religiosidade vai diminuir no Brasil e nos outros
países da América do Sul, à medida que cresce a prosperidade e a
confiança das pessoas nos sistemas políticos e econômicos. Uma razão
pela qual a religião ainda cresce no Brasil, e em outros países, é que
os níveis de confiança entre as pessoas nestes países sul-americanos é
baixa, segundo os economistas. As pessoas se voltam para a religião
quando seus governos não fornecem uma estrutura social sólida.
Em
seu livro mais recente, The believing brain, você sintetiza 30 anos de
suas pesquisas a respeito de como as pessoas formam suas crenças. Dá
para sintetizar ainda mais?
Shermer
- Minha tese é simples: nós produzimos nossas crenças por uma variedade
de razões subjetivas, pessoais, emocionais e psicológicas no contexto
de ambientes criados por familiares, amigos, colegas de trabalho, da
cultura e da sociedade em geral; após a formação de nossas crenças, nós
então defendemos, justificamos e racionalizamo-as com uma série de
razões intelectuais, argumentos convincentes e explicações racionais.
Crenças vêm em primeiro lugar, e as explicações para as crenças, a
seguir.
O
cérebro é uma máquina de crenças. A partir dos dados sensoriais que
fluem através dos sentidos, o cérebro começa a procurar e encontrar
padrões, e então se infundem significados a esses padrões. O primeiro
processo eu chamo padronicidade: a tendência para encontrar padrões
significativos em ambos os dados, significativos e sem sentido. O
segundo processo eu chamo agenticidade: a tendência de infundir padrões
com significado e intenção. Nós não podemos evitá-lo. Nossos cérebros
evoluíram para ligar os pontos do nosso mundo em padrões significativos
que explicam por que as coisas acontecem. Estes padrões significativos
se tornam crenças.
Uma
vez que as crenças são formadas, o cérebro começa a procurar e
encontrar evidências que confirmem e apoiem essas crenças, o que
acrescenta um impulso emocional de mais confiança nas crenças e, assim,
acelera o processo de reforçá-las, e o processo se transforma em um
retorno positivo de confirmação da crença. Bem como, ocasionalmente, as
pessoas formam crenças a partir de uma única experiência reveladora em
grande parte livre de seu passado pessoal ou da cultura em geral. Mais
raro ainda, há aqueles que, ao pesar cuidadosamente as evidências a
favor e contra uma posição que já possuem, ou que eles ainda têm de
formar uma opinião a respeito, calculam as probabilidades e tomam uma
decisão drástica, sem emoção, e não olham para trás.
Essas
reversões de crenças são tão raras na religião e na política, que geram
manchetes de jornais quando envolvem alguém de destaque, como um
clérigo que muda de religião ou um político que muda de partido. Isso
acontece, mas é tão raro quanto um cisne negro. Reversões de crenças
acontecem com mais frequência na ciência, mas não tão frequentemente
como se poderia esperar da visão idealizada do exaltado "método
científico", no qual apenas os fatos contam. A razão para isso é que os
cientistas são pessoas também, não menos sujeitos aos caprichos da
emoção e à força dos traços cognitivos que moldam e reforçam crenças.
Você está trabalhando em algum novo livro?
Shermer
- Meu próximo livro é The Moral Arc of Science: How Science Has Bent
the Arc of the Moral Universe Toward Truth, Justice, Freedom, &
Prosperity. O livro trata do arco da moral do universo que se volta na
direção da verdade, da justiça, da liberdade e da prosperidade, graças à
ciência - o tipo de pensamento que envolve razão, racionalidade,
empirismo e ceticismo. A Revolução Científica liderada por Copérnico,
Galileu e Newton foi tão transformadora, que os pensadores de outros
campos conscientemente buscaram revolucionar o mundo social, político e
econômico usando os mesmos métodos da ciência. Isso levou à Idade da
Razão e do Iluminismo, que por sua vez criou o mundo moderno secular de
democracias, direitos, justiça e liberdade.
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