A História do Inferno: de 1500 a 1700 d.C.
>> sábado, 19 de novembro de 2011
O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da história?
Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno, apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)
João Denck (c. 1500–1527)
Denck foi tido em sua breve vida como um dos principais representantes do pensamento anabatista, ainda que imediatamente antes de sua morte tenha abjurado da ideia de que o batismo deve ser um sinal da prévia existência da fé, e tenha assim se reconciliado com o protestantimo clássico. Denck entendia que a “Palavra de Deus” era uma palavra interior que fala ao coração de todo ser humano. Isso possibilitava que aqueles que ouvissem o evangelho fossem salvos. Denck foi acusado de universalismo, e seus ensinos sobre a salvação parecem apontar nessa direção, embora não esteja claro se de fato afirmava que todos serão salvos.
João Calvino (1509-1564)
Calvino posicionou-se ao lado de Lutero contra Zuínglio sobre a total indispensabilidade de ouvir a Palavra de Deus para sermos salvos. Para Calvino, a doutrina da predestinação explicava por que era justo que somente os que ouvissem o evangelho fossem salvos. (Ao ratificar o pecado original conforme definido por Agostinho, o qual Zuínglio havia questionado, Calvino obtém um alicerce para sustentar a condenação mesmo daqueles que pareciam jamais ter tido oportunidade de salvação.) Ainda assim, à semelhança de Lutero, Calvino se focou no aspecto existencial da condenação, na qualidade de separação em relação a Deus, e não nos tormentos físicos do inferno descritos em boa parte da pregação e dos escritos visionários da Idade Média. Por essa razão, na descrição de Calvino, Jesus sofreu os tormentos do inferno no Getsêmani e na cruz quando foi abandonado por Deus por causa de nossos pecados.
John Milton (1608-1674)
A influência de Milton em concepções posteriores sobre o inferno foi possível em grande medida por meio de sua obra prima da poesia, O Paraíso perdido, obra em que se retrata um Satanás humanizado em oposição às tradições que descreviam o Diabo como grotesco e monstruoso. Satanás, como ficou bem conhecido, descreveu sua sina mais em termos psicológicos que físicos: “Só o Inferno essa fuga me depara:/ Eu sou Inferno pior! o outro, cavando/ No fundo abismo, abismo inda mais fundo,/ E ameaçando engolir-me em tais horrores,/ Para mim fora um céu se o comparasse/ Com este Inferno que em mim mesmo sofro!” (tradução de António José de Lima Leitão, Rio: W. M. Jackson, 1956). Muitos autores do romantismo, com sua inclinação para os heróis proscritos e angustiados, acharam nesse retrato algo com que se identificar e consideraram Satanás o verdadeiro herói do poema.
A descrição física do inferno feita por Milton ― um lugar grande, escuro, quente, doloroso, infindo e centrado em torno de um lago de fogo ― é a visão tradicional, mas tem força particularmente vívida a reforçar todos esses traços: “Mas luz nenhuma dessas flamas se ergue;/ Vertem somente escuridão visível/ Que baste a pôr patente o hórrido quadro/ Destas regiões de dor, medonhas trevas/ Onde o repouso e a paz morar não podem,/ Onde a esperança, que preside a tudo,/ Nem sequer se lobriga: os desgraçados/Interminável aflição lacera” (tradução de António José de Lima Leitão).
John Locke (1632-1704)
Locke é bem conhecido como um escritor que favoreceu a tolerância religiosa e defendeu o cristianismo como uma religião razoavelmente adequada para intelectuais iluministas crerem. Em pelo menos alguns de seus escritos, ele endossou o aniquilacionismo – a visão de que enquanto os salvos aproveitarão a vida eterna com Cristo, os condenados serão simplesmente aniquilados imediatamente ou após um período definido de punição, em vez de sofrer tormentos por toda eternidade. (Em relação ao “fogo inextinguível” citado em várias partes da Bíblia, ele comentou que isso não significa “que os corpos que eram nele queimados nunca eram consumidos, mas só que os vermes que roíam e o fogo que queimava eram constantes e não cessariam até que as pessoas fossem destruídas.”)
Como John Milton, Locke é frequentemente citado em sites unicistas universalistas, mas, assim como em relação a Milton, isto acontece mais por causa de suas crenças heterodoxas sobre a Trindade e sua defesa de um cristianismo tolerante (dentro de limites – ele se recusou a tolerar tanto católicos quanto ateus) do que em qualquer universalismo em seus escritos.
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