A História do Inferno: de 200 a 400 d.C.
>> quarta-feira, 16 de novembro de 2011
O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da história?
Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno, apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)
Orígenes (c. 185-254)
Orígenes talvez tenha sido o escritor cristão primitivo mais controvertido na área da escatologia (além de outras doutrinas). Profundamente moldado pelas tradições do médio platonismo, corrente filosófica presente na Alexandria do segundo século, bem como pelas obras de Clemente, para Orígenes o drama da história da salvação foi uma iniciativa divina para levar as “mentes” criadas de volta à união intelectual extática com Deus na qual tinham sido originariamente criadas. Todo o mundo físico, na teologia de Orígenes, era uma disciplina purgativa criada por Deus a fim de dar às mentes decaídas o estímulo necessário para abandonarem seu estado de apatia. O inferno era simplesmente a forma extrema dessa disciplina purgante, e os textos das Escrituras que tratam da punição eterna são enganos benevolentes de Deus com o propósito de nos chocar e assim nos conduzir ao arrependimento. Embora Satanás e os demônios estejam em desvantagem pelo fato de não terem um corpo, Orígenes manifestou a esperança de que eles retornariam a Deus na apocatástase, a restauração final de toda a criação. A apocatástase foi condenada como herética no Segundo Concílio de Constantinopla, em 553, três séculos após a morte de Orígenes.
Atanásio (c. 296-373)
Atanásio, patriarca de Alexandria e defensor ferrenho da plena divindade de Jesus, descrevia a salvação sobretudo como um retorno à união com a vida divina. Por termos sido criados do nada, cria Atanásio, temos a tendência de retroceder a um estado de nulidade quando separados da vida divina em razão do pecado. Isso é não apenas o resultado natural do pecado, mas também uma justa punição imposta por Deus. Todos os aspectos da fraqueza e da “corrupção” humana resultam, portanto, de nossa separação em relação à vida divina. Assim como Ireneu, Atanásio cria que Jesus havia remido a humanidade como um todo ao levar sobre si a justa punição de nossos pecados em sua morte (derrotando assim a morte e pondo termo a suas exigências legais sobre nós) e ao restaurar o vínculo que havia entre a natureza humana e a vida de Deus. O entendimento que Atanásio tinha a respeito da “corrupção” parecia insinuar que os perversos no fim seriam aniquilados, mas não se pode dizer que ele de fato tenha chegado a essa conclusão. O que talvez tenha defendido, em vez disso, foi a crença de que a condenação representava um deslize infindável rumo à nulidade sem nunca de fato alcançá-la ― crença mais tarde esposada por C. S. Lewis.
Gregório de Nazianzo (c. 325-389)
Sendo um dos teólogos “capadócios” que contribuíram para a formulação da doutrina da Trindade, Gregório de Nazianzo debateu o conceito da apocatástase defendido por Orígenes e se recusou a assumir uma postura conclusiva a respeito, quer contrária, quer favorável, preferindo deixar a questão nas mãos de Deus.
Gregório de Nissa (c. 335-394)
Gregório de Nissa, outro capadócio, baseou-se extensamente na obra de Orígenes e até mesmo na doutrina da apocatástase. Gregório gostava da imagem do fogo purificador, que elimina as impurezas do metal. Embora tenha por vezes mencionado a punição eterna, parecia entendê-la meramente como uma punição purgativa de longa duração e que no fim resultaria em salvação. A corrupção do corpo humano, como queria Gregório, é expurgada pela morte física, ao passo que a corrupção da alma é eliminada pelas punições pós-morte.
Gregório foi um dos mais destacados defensores da “teoria do resgate”, segundo a qual Jesus se ofereceu a Satanás em resgate pelas almas da humanidade pecaminosa. Quando Satanás morde a “isca”, acaba preso pelo anzol da divindade de Cristo, e assim a humanidade de Jesus conquista sua liberdade. Mas Gregório também afirma que essa derrota de Satanás é não apenas para o nosso bem, mas também para o bem do próprio Satanás, uma vez que ele também por fim será restaurado à união com Deus.
João Crisóstomo (c. 347-407)
João Crisóstomo foi acusado de “origenismo” como parte de uma caçada a heresias empreendida por motivações políticas, mas não parece que tenha defendido as opiniões de Orígenes sobre a apocatástase. Não raro, em seus sermões, ele fazia advertências acera da punição eterna. Em suas homilias contra os judaizantes, expôs o que percebia ser um “evangelho da prosperidade” proclamado pelos judeus, contrapondo-o ao ensino cristão mais modesto (e, portanto, mais genuíno): “Em nossas igrejas, ouvimos inúmeros discursos sobre as punições eternas, sobre o fogo que nunca se extingue, sobre o verme que nunca morre, sobre as cadeias que não se podem romper, sobre as trevas exteriores”.
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