O Verbo ‘Ser Igreja’
>> sábado, 13 de outubro de 2012
Por Augusto Guedes
O
verbo "Ser Igreja". Talvez não seja fácil conjugá-lo nem também
explicá-lo, por ir além das imponentes catedrais ou das simples
residências, onde a igreja costuma historicamente se reunir; por
extrapolar os formatos litúrgicos, quer mais ou menos solenes, a que a
igreja costuma frequentemente se deter; por não se limitar a apenas um
momento ou a um dia sagrado, como a igreja costuma tradicionalmente
guardar; por independer das estruturas organizacionais e hierárquicas a
que a igreja costuma fortemente se adequar; por não resumir a audição a
apenas um elemento humano falando em nome de Deus, como a igreja
costuma atentamente ouvir; por não está necessariamente ligado a um
nome ou denominação, como a igreja costuma alegremente se apresentar; e
até por se espelhar no simples exemplo de vida de Jesus mais do que
nos regimentos institucionais internos ou nos conceitos teológicos
humanos, nos quais, a igreja, ao longo do tempo, resolveu fortemente se
embasar.
É
como se tivéssemos que, de repente, passar a conjugar um verbo cujo
sentido aceitamos, com as melhores intenções buscamos praticar, mas que
pelo simples fato de termos nascido num contexto que o verbaliza de
forma inconscientemente inadequada, desgastada pelo tempo e corrompida
pelas idéias, não conseguimos, tornando-se assim difícil de entender.
Como,
então, viver sem dia e local específicos para se cultuar? Ou sem uma
ordem litúrgica para se ocupar? Ou ainda sem estrutura para se
organizar, ou hierarquia para se empoderar? Onde estariam os
especialistas para dar orientação? Ou, os guias para conduzir a
celebração? A quem prestar contas? Quem seria a tão falada cobertura
espiritual? E que tal a expressão "guarda-chuvas"? É como se tivéssemos
nascido numa caixa, da qual viver fora parece ser não só inadequado ou
talvez inaceitável, mas simplesmente impossível e abominável ao Pai.
De
fato, conjugar o verbo ‘Ser igreja’ é algo muito mais simples do que
aquilo que temos aprendido com as nossas elucubrações religiosas
milenares. Mesmo sendo difícil conseguir ‘sair da caixa’ e, em seguida,
viver fora dela, para aqueles que o conseguem, um imenso oceano se abre
à frente como se antes vivessem na medida de um pequeno aquário. O
culto passa a acontecer todo dia e em todo lugar, das mais cotidianas
das situações às reuniões mais solenes. O senso de pertencimento passa a
extrapolar os listões de membresia e os guetos das igrejas chamadas
locais, enxergando-se melhor o reino de Deus.
O
evangelismo deixa de ser um plano de conquista de novos adeptos para
tornar-se um testemunho de vida diário, com atitudes e, se necessário,
com palavras, objetivando tão somente transmitir o crucial plano de amor
do Pai para a vida do filho perdido.
A
ação social deixa de ser um desencargo de consciência através de uma
transferência financeira para uma ONG ou instituição religiosa, para
tornar-se responsabilidade pessoal com os menos favorecidos que estão
mais próximos. O discipulado passa a ser um ensino no caminho muito mais
do que sobre o caminho, prazeroso privilégio voltado primeiramente aos
nossos próprios filhos no convívio do lar. As relações
líderes/liderados passam a ter base muito mais numa autoridade de vida
cheia do Espírito, que gera serviço, do que em cargos eclesiásticos
outorgados por instituições, que produzem controle e manipulação. Os
métodos, sistemas e modelos estruturais ou organizacionais perdem a sua
razão de ser, passando a valer muito mais o sentido de organismo, pelo
simples fato de estarmos juntos, em encontros mais amigáveis e
familiares do que solenes, e que acontecem nos mais diversos lugares,
como residências, empresas, escolas, condomínios, hospitais, velórios,
restaurantes, lanchonetes, praças de alimentação, quando
espontaneamente os dons se manifestam e todos cuidam uns dos outros,
orando, aconselhando, confessando, perdoando, socorrendo, amando,
hospedando, encorajando, liderando, ensinando, exortando, profetizando,
ofertando, e muito mais, num processo de edificação mútua tão bem
relatada no novo testamento, mas nem sempre enxergada por nós, face à
cegueira causada pela nossa indesejada e real religiosidade.
A
forma de conjugação do verbo está escrita, embora tenhamos imensa
dificuldade em lê-la. Talvez porque exija, em alguns momentos, a
possível inexistência de, por exemplo, um período de louvor. O que
seria, então, dos dirigentes? Ou da pregação. O que seria dos pastores?
Ou do estudo bíblico? O que seria dos mestres da Palavra? Ou do
ofertório? O que seria do movimento financeiro? E por que também não
perguntar: o que seria de nós, se dependemos muitas vezes de cada um
desses elementos? Conseguindo conjugar o tal verbo, certamente cada um
dos ministros de louvor ou da Palavra, ou nós mesmos, seríamos
simplesmente, igreja.
Habitando
entre nós, Jesus provou saber muito bem conjugar este verbo. Mesmo
antes dos acontecimentos relatados no livro de Atos, Ele costumava estar
sempre à mesa com irmãos para desfrutar de ceias fartas de alimento,
comunhão e amizade, sempre regadas a um bom vinho, elemento que ele
aproveitou do cotidiano judeu, para utilizar como símbolo, juntamente
com o pão, a fim de que, até a Sua volta, recordássemos e anunciássemos o
Seu sacrifício na cruz "todas as vezes" que nos reuníssemos. Naquela
mesma ocasião, com os doze primeiros discípulos dessa eterna comunidade,
ele nos deixava o exemplo.
No
dia em que um reconhecido pastor, ao tentar me elogiar, afirmou que eu
sabia "fazer igreja" muito bem, a minha boca calou e o meu coração se
incomodou diante do seu grande equívoco. Não deixava de lembrar que
certamente essa é uma tarefa do Espírito, não minha. Com o tempo, tal
inquietação teve resposta no meu coração descobrindo que, primeiro,
existe uma caixa; segundo, que é possível sair dela, apesar de um forte
preço; e, terceiro, que como a ideia por si só traduz, é
maravilhosamente libertador. Aprendi a não querer inconscientemente ser o
Espírito Santo, na tentativa de ‘fazer igreja’, mas a buscar a Sua
ajuda para conseguir conjugar o verbo ‘Ser Igreja’.
Por: Cristianismo Criativo Via: emeurgência
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