Pão da vida: a singularidade de Jesus
>> quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Não há dádiva maior na vida de um ser
humano que ser um discípulo de Cristo. Seguir o Mestre, alimentar-se de
Seu ensino, ter comunhão com Ele, exercer a fé no Redentor, tendo-O
acima de qualquer suspeita, como Senhor e Salvador, e não apenas como um
guru, um médium, um espírito evoluído ou um líder espiritual. A
singularidade de Jesus está em Seu ser, e por mais que alguns tentem
expor o contrário, o Senhor é o nome acima de todo nome. E este fato é
eterno e imutável.
Recentemente,
meditando nas Escrituras, mergulhei no Evangelho de João, mais
precisamente no capítulo seis. Deste tempo, extraí um esboço que se
transformou neste estudo, que gostaria de compartilhar com os leitores.
Este capítulo, assim como todo conteúdo deste Evangelho, possui ensino
profundo a respeito da vida e missão do Messias.
Milagres
A Bíblia atesta que uma grande multidão estava seguindo a Jesus, na cidade de Tiberíades, diante dos feitos miraculosos:
E grande multidão o seguia, porque via os sinais que operava sobre os enfermos. João 6.2
Neste ponto, precisamos refletir
brevemente acerca da natureza dos milagres. O contexto nos mostra que
Jesus se preocupava e – evidentemente – continua se preocupando com as
pessoas e com as necessidades mais íntimas do ser humano. A falha de
nossa geração está em evidenciar muito mais o milagre do que o próprio
Deus que fez o milagre. O milagre deve apontar para Cristo – o milagre é
um meio, e não um fim em si mesmo.
Uma fé baseada em milagres nunca é tão agradável a Deus como a fé baseada somente em Sua palavra. A palavra de Deus não deveria exigir milagres para comprová-la. Qualquer coisa que Deus diz é verdade, jamais poderia ser mentira. Isso deveria ser o suficiente para qualquer pessoa! [1]
Daquela multidão, que estava
acompanhando feitos miraculosos do Messias, contavam-se cinco mil
homens, além das mulheres e crianças (v.10). De apenas cinco pães e dois
peixes, Jesus alimentou toda multidão (v.9). A fartura foi tamanha que,
além de alimentar a multidão, as sobras encheram doze cestos. Neste
momento, satisfeita com o milagre, a reação do povo foi uma tentativa
precipitada de coroar a Jesus como rei, ao que reagiu retirando-se para
orar (v.14-15).
Veja que, neste momento, uma vasta
multidão estava seguindo Jesus, pronta para engrandecê-lo pelos seus
milagres. Em nossos dias, temos visto este paralelo. A ênfase da
pregação está no resultado, no agora, num imediatismo perigoso que pode
minar a fé. Esse caminho arriscado direciona o povo a viver uma fé em
milagres (o que chamo fé na fé). Neste sentido, cabe a reflexão: qual o compromisso que as pessoas contempladas com milagres estabelecem com Deus?
Enquanto Jesus orava, os discípulos
seguiram pelo Mar da Galiléia (também chamado de Tiberíades ou Lagoa de
Genesaré) de volta à Cafarnaum. Neste caminho (v.16-21), uma forte
tempestade sobreveio e sacudia a embarcação fortemente, ao que Jesus
surge caminhando sobre a as águas colocando o caos em perfeita ordem
(veja detalhes em Mt 14.22-36; Mc 6.45-56). Isso ainda nos faz lembrar
do feito de Mc 4.35-41, quando sob forte tempestade Jesus dormia, e ao
ser despertado cessou a tormenta. Espantados, os discípulos exclamaram:
Mas quem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem? Marcos 4:41b
Precisamos aprender um contexto muito
mais profundo em tudo isso, pois muitos pregadores e leitores da Bíblia
utilizam estes versículos para dizer que Jesus “acalma as tempestades da
vida”, mas muito mais do que isso, Jesus é o criador de todas as
coisas, e a natureza prostra-se ante seu poder e glória. Charles Hodge
comenta sobre isso em sua Teologia Sistemática no tema “Seu controle
sobre a natureza”:
Quando curava os enfermos, abria os olhos dos cegos, restaurava os coxos, ressuscitava os mortos, alimentava a milhares com uns poucos pães e acalmava a fúria do mar, fazia isso pela emissão de sua palavra, pelo simples exercício de sua vontade. E assim manifestou sua glória, dado aos que tinham olhos para ver visível demonstração de que ele era Deus na forma humana. [2]
Ele tem mais que domínio sobre as
tempestades da vida, Jesus tem o domínio sobre tudo o que se criou,
sobre todo o universo e o que nele há! Jesus é o Rei da Glória!
Jesus, o pão da vida
No dia seguinte (v.22), já na cidade de
Cafarnaum, o que julgo ser o ápice do capítulo se inicia, quando Cristo
atinge o ponto de máximo interesse, mostrando para toda aquela gente
qual é o cerne do Evangelho:
Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou. João 6.29
O Senhor continua o discurso para aquele
povo apresentando sua messianidade e esquadrinhando os propósitos do
coração. O povo, sempre ávido por milagres, tenta mais uma vez coagir
Jesus por sinais, mesmo após o Senhor ter se revelado como o pão da
vida!
Disseram-lhe, pois: Que sinal, pois, fazes tu, para que o vejamos, e creiamos em ti? Que operas tu? João 6:30
Sobre esta pergunta, cito D.A. Carson:
A pergunta no v. 30 revela a superficialidade do pensamento deles, pois de que novo sinal eles precisavam depois de ver uma multidão ser alimentada a partir de provisões insignificantes? A referência ao maná no deserto (31) fornece uma indicação de como funcionava a mente deles. Provavelmente eles pensavam que esta provisão era superior à que Jesus tinha proporcionado, em função da enorme quantidade de maná. O seu conceito de sinal parece ter-se limitado a uma reprodução da experiência dos israelitas no deserto. Isso era o mesmo que esperar que para impressioná-los, o Messias fizesse algo muito maior do que Moisés tinha feito. [3]
O povo estava convicto que o milagre do
Maná no deserto representava um feito maior que Jesus, e além, achavam
que o Maná era maior que Jesus, o Pão da Vida! Mais uma vez na história,
o povo estava focado na quantidade, e não na relevância e qualidade do
feito, agindo desta maneira, caíram no erro de minimizar a pessoa e obra
de Cristo (v. 42-50). Ao que a Bíblia de Genebra comenta:
Ainda que tivessem visto o milagre da multiplicação de pães e peixes, não o reconheceram como um sinal que identificasse Jesus como o Messias. Foi meramente como uma oportunidade de refeição para eles.[4]
O Senhor afunila ainda mais o propósito de seu ensino, dando um verdadeiro tapa na cara do orgulho e auto-suficiência humana: o homem não pode encontrar Deus por seu próprio mérito e esforço próprio, e mesmo que isso venha a ferir as intenções mais sinceras de uma pessoa – e para glória de Deus – é Ele mesmo quem move o coração do homem ao caminho da graça (v.37).
Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. João 6:37
A Carne e o Sangue
Ao falar sobre comer a carne e beber o
sangue do Filho do Homem (v.53), Jesus não está discursando em sentido
literal. Jesus também não estava falando a respeito do sacramento da
ceia (a última ceia sequer tinha ocorrido). Tal declaração aponta para a
vida e obra de Cristo, para uma crença absoluta em tudo aquilo que o
Mestre disse e fez, sua obra, seu ensino.
Resultado: uma pergunta que ecoa na eternidade
Uma vez que as palavras de Jesus são
vivas, aquilo que Ele profetizou ecoa por toda a eternidade. Não somente
naquela ocasião, como ainda em nossos dias, muitos são os que seguem Jesus
com outras intenções e concluem que “o discurso é duro, quem o
suporta?” (v. 60), estes estão petrificados no escândalo (v. 61). No
entanto, no meio desta multidão estão os que Deus elegeu (v. 65), e para
os que são de Deus, as palavras de Jesus são “espírito e vida” (v. 63).
O confronto das palavras do Senhor
dispersou a multidão. No funil da circunstancia, Jesus chega-se aos seus
alunos mais próximos, seus doze discípulos, e lança o ultimato:
Então disse Jesus aos doze: Quereis vós também retirar-vos? João 6:67
A resposta de Pedro ao liquidante
confronto de Deus (um confronto necessário, duro, mas de inigualável
graça e misericórdia), confessa quão pequena é a humanidade. Nada somos e
nada podemos se não for nEle e por Ele. O problema do pecado está
exposto e toda e qualquer auto-suficiência é caquética e doente. O
desfecho está estampando a singularidade do Messias: o pão da vida
providenciado pelo Pai.
Simão Pedro
respondeu-lhe: Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida
eterna. E nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus. João 6.68-69
(Almeida século 21)
William Macdonald assim sintetiza esta resposta de Pedro:
Senhor, como podemos te deixar? Tu ensinas as doutrinas que conduzem à vida eterna. Se nós te deixarmos, não há mais ninguém a quem poderíamos seguir. Deixar-te seria selar nossa condenação. [5]
Quanto a mim, sou grato, infinitamente
grato ao Senhor. Ele me olhou e mesmo morto no pecado (Ef 2.1,4-6), me
trouxe vida (Jo 6.58), aprouve a Ele me escolher (Jo 6.44), me fazendo
dEle (Jo 6.35-40).
O Mestre rejeitou uma “coroa” (Jo 6.15), mas não abdicou da cruz.
Somos dignos de seu amor? Não.
O nome disso? Graça, irresistível e incompreensível.
Solus Christus! Soli Deo gloria!
NOTAS:
[1] MacDONALD, William. Comentário Bíblico Popular do Novo Testamento. Mundo Cristão. São Paulo, SP: 2008. p.264
[2] HODGE, Charles. Teologia Sistemática. Hagnos. São Paulo, SP: 2001. p. 376
[3] CARSON, D.A. Comentário Bíblico Vida Nova. Edições Vida Nova. São Paulo, SP: 2009. p. 1561-1562
[4] Bíblia de Estudo de Genebra. Cultura Cristã. São Paulo, SP: 1999. p. 1239
[5] MacDONALD, William. Comentário Bíblico Popular do Novo Testamento. p. 271
Fonte: Napec
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