O verdadeiro Papai Noel gostava de dar tapa na cara de hereges
>> terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Mesmo que o
Natal tenha se tornado essa festa mercantilista, com o Papai Noel como
figura proeminente (e exótica), em substituição ao menino Jesus, é
interessante pesquisar as raízes do “bom velhinho” na cultura popular.
Primeiro, é
curioso ver como a nomenclatura varia de país para país, inclusive
dentro do mesmo idioma, como acontece em Portugal, onde Papai Noel é
conhecido como Pai Natal.
Isto se
justifica pelo fato de que Noël significa Natal em francês, e a
influência gaulesa se fez sentir também nos países hispânicos, que o
chamam de Papá Noel, com a divertida e defasada exceção do Chile, que o
chama de Viejito Pascuero (Páscoa?!).
Entretanto, é
pelo idioma inglês, sobretudo americano, que o nome Santa Claus remete à
origem mais remota (e cristã) do Papai Noel.
O personagem
histórico que teria inspirado a criação do mito do bom velhinho foi
Nicolau de Mira, também conhecido como São Nicolau de Bari, canonizado
por católicos e ortodoxos, e entronizado como santo padroeiro da Rússia,
da Grécia e da Noruega.
Lembre-se de
que a Lapônia, terra onde habitaria o Papai Noel, é uma região ártica
que engloba parte dos territórios de Suécia, Noruega, Finlândia e um
pequeno trecho da Rússia.
Só que São
Nicolau de Mira nasceu mais ao sul, em Patara, hoje Demre (na Turquia),
supostamente na segunda metade do século III, vindo a morrer no mesmo
local em 6 de dezembro de 342 d. C.
O santo
continua tão popular na Europa que, depois do alegado descobrimento – em
1993 - de sua tumba na ilha turca de Gemile, o governo muçulmano da
Turquia requereu formalmente à Itália, em 2009, a devolução dos restos
mortais de Nicolau, que haviam sido levados a Bari em 1087, ainda na
época das Cruzadas.
Em 2000,
governo russo chegou a doar uma estátua de São Nicolau à cidade de
Demre, mas em 2005 o prefeito da cidade trocou o pobre Nicolau de bronze
por um Papai Noel de plástico (vermelho, é claro - foto abaixo), de
olho nos ganhos monetários advindos do turismo.
Os protestos
russos não tardaram a ser ouvidos, mas o prefeito turco foi
irredutível. Deixou Papai Noel no seu pedestal e retornou São Nicolau a
uma esquina próxima da igreja ortodoxa da cidade.
É difícil
separar o que é lenda do que é real na vida de São Nicolau, mas o fato
incontestável é que ele era muito popular no seu tempo. Conta-se, por
exemplo, que ele teria ressuscitado três crianças vítimas de um macabro
assassinato, além de ter convertido hereges que queriam saquear a sua
igreja.
A mais
famosa história que se conta a seu respeito é a de um pai muito pobre
que não tinha como prover o dote para casar as três filhas. Nicolau, à
noite, teria atirado três sacos de moedas de ouro e prata na casa da
família, e assim salvou as moças de se tornarem prostitutas, o que
fatalmente seria o seu fim caso não pudessem se casar.
Por esse
dado (histórico ou não), você pode perceber de onde vem boa parte da
inspiração que, associada a pitadas de mitos germânicos e escandinavos
(a figura idosa e bonachona de Odin, por exemplo), resultou na
“invenção” folclórica do Papai Noel.
Já que o
mito suplantou em larga escala o personagem histórico, é bom voltar às
origens e resgatar um pouco da humanidade e da cristandade de São
Nicolau.
Ele era
muito religioso desde a mais tenra idade, e após perder os pais ainda
muito jovem, em decorrência de uma epidemia, foi criado pelo tio, que
também se chamava Nicolau e era bispo de Patara à época.
O jovem
Nicolau teria ido a Jerusalém, buscando se dedicar a uma vida eremita de
oração, como era comum naqueles tempos, mas Deus conseguiria
convencê-lo de que devia voltar a sua terra, onde seria mais útil ao
Senhor.
Foi assim
que ele subiu paulatinamente na hierarquia eclesiástica e, por ocasião
do Concílio de Niceia, em 325 d.C., Nicolau de Mira foi um dos cerca de
300 bispos presentes para decidir questões cruciais que ameaçavam os
rumos da ortodoxia da Igreja.
O tema mais disputado em Niceia foi a doutrina da Trindade, combatido por Ário de Alexandria e seus seguidores.
Reza a lenda
que, enquanto Ário defendia sua doutrina de que Jesus, o Filho, não era
nem nunca havia sido igual (ou cosubstancial) ao Pai, Nicolau ficou tão
furioso que cruzou o recinto (na presença do imperador Constantino) e
deu um tapa na cara do herege alexandrino.
O ato
intempestivo teria causado profundo constrangimento no concílio, e
Nicolau foi sumariamente despido de suas vestes episcopais e lançado na
masmorra, onde Jesus e Maria teriam aparecido a ele para dizer que ele
não seria punido.
Lendas à
parte, o fato é que, terminado o concílio, o arianismo foi derrotado e
suas ideias declaradas como anátemas, consolidando-se o dogma da
Trindade, e Nicolau foi restituído à sua posição de bispo.
Talvez outra
semelhança entre São Nicolau e o Papai Noel seja a dificuldade em
separar o que é lendário e o que é real, mas – obviamente – é muito mais
fácil acreditar que (pelo menos) algumas coisas que se contam sobre
Nicolau tenham muito mais substrato fático do que sobre um bom velhinho
de roupa vermelha esquisita que voa numa carruagem puxada por renas
aladas.
De qualquer
maneira, o tapa que São Nicolau teria dado em Ário por conta de sua
heresia é uma história (ou estória) boa demais para não ser recordada.
Muito
provavelmente, se vivo fosse, ele daria um tapa na cara do consumismo
que impera no tal "espírito natalino" dos tempos atuais.
Feliz Natal, Nicolau!
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