Maria -a subversiva mãe de Jesus- e o natal
>> terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Hermes C. Fernandes
É claro que a
figura central do Natal é Cristo. José, Maria, os Magos, os pastores de
Belém, e até os anjos, são apenas coadjuvantes nesta história de
esperança para a humanidade. Cada um deles reagiu de maneira diferente à
chegada do Redentor ao Mundo. Os pastores anunciaram a todos. Os anjos
cantaram nas alturas. Os Magos O presentearam. E Maria, o que fez? Qual
teria sido a reação daquela que hospedou em seu ventre o Filho de Deus?
Somente Lucas
preocupou-se em relatar o cântico com que Maria expressou sua felicidade
e expectativa com a chegada do Messias prometido. Seu cântico ficou
conhecido como Magnificat:
"A minha alma
engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador;
porque atentou na condição humilde de sua serva; desde agora, pois,
todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez
grandes coisas; e santo é o seu nome. E a sua misericórdia vai de
geração em geração sobre os que o temem. Com o seu braço agiu
valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações.
Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes. Encheu de bens os
famintos, e despediu vazios os ricos. Auxiliou a Israel seu servo,
recordando-se da sua misericórdia; como falou a nossos pais, para com
Abraão e a sua descendência, para sempre." Lucas 1:46-55
Embora tivesse
"sangue azul", pois pertencia à dinastia de Davi, Maria viveu na
simplicidade e no anonimato, casada com um operário braçal. O trono
antes ocupado por seus ancestrais, agora era ocupado por um rei
marionete do império romano, cujo nome era Herodes. Seu povo vivia sob a
tirania imperial. Maria era virgem, mas não ingênua. Humilde, mas não
idiota. Santa, não alienada.
A imagem que
construiu-se de Maria não faz jus à sua postura subversiva expressada
neste cântico. A jovem desposada com José era uma adolescente
questionadora, com um espírito rebelde e revolucionário. Sua alma
anelava por mudanças. Ao receber o anúncio trazido por Gabriel, ela
soube que o ente gerado em seu ventre era a resposta aos seus anelos.
Como que
vislumbrando o futuro, Maria declarou profeticamente que Deus havia
deposto os poderosos do trono, e elevado os humildes. Ela fala como
alguém que vivia além do seu próprio tempo. Era como se fosse uma
visitante proveniente do futuro. Pra ela, tais fatos não aconteceriam um
dia, mas já teriam acontecido. Deus já teria enchido de bens os
famintos, e despedido vazios os ricos. Se isso não é uma revolução
social, o que é, então? Os defensores do status quo preferem
espiritualizar passagens como esta, para que se encaixem em sua agenda
ideológica e política. Porém, a jovem Maria não está falando de coisas
estritamente espirituais, mas concretas, abrangendo a realidade
sócio-econômica, política e cultural.
O nascimento de
Jesus anunciava que o tempo havia sido subvertido, e o futuro invadira o
presente. Aquele que Se apresenta como o Princípio e o Fim, agora vive
em nosso meio. A ordem predominante teria que ser colapsada para dar
vazão ao Reino de Deus. A revolução há muito esperada fora deflagrada, e
aquele seria, definitivamente, um caminho sem volta. Nunca mais o mundo
seria como antes.
Como todo
subversivo que ameaça o establishment, Maria teve que exilar-se com seu
filho e esposo no Egito, onde viveram na clandestinidade até o momento
designado por Deus.
Pelo cântico que compôs, dá para inferir que valores Maria teria transmitido para seu Filho.
Com o tempo, o
cristianismo deixou sua marginalidade essencial, para tornar-se em
religião oficial. Maria deixou de ser vista como subversiva, para
tornar-se numa espécia de padroeira do status quo. Domesticaram a mãe do
Salvador. Desproveram-na de sua rebeldia. Tornaram-na inofensiva. O
mesmo fizeram com a igreja cristã, que deu as costas aos pobres,
humildes e oprimidos, para aliar-se aos poderosos.
Se quisermos
ver as profecias de Maria cumpridas, temos que dar meia-volta, trair
nossos laços com os interesses econômicos e políticos, e abraçar nossa
vocação subversiva. Se Maria estava certa, e de fato, anteviu o futuro,
isso eventualmente acontecerá. E quando ocorrer, o Natal passará a ser
celebrado como uma data revolucionária, como é a celebração da revolução
francesa ou da inconfidência mineira.
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